quarta-feira, 22 de junho de 2011

LITERATURA AFRO-AMERICANA NA INICIAÇÃO CIENTIFICA

JOSÉ ENDOENÇA MARTINS

Pesquisa na graduação tem nome: iniciação científica. Na graduação, a iniciação científica é ação de professores, pesquisadores e estudantes. CAPES, CNPq e Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados estimulam e financiam projetos de iniciação científica. Muitos pesquisadores vêm estudando a Iniciação Científica. Dentre alguns, o estudo Qualidades Desejáveis em Professores Orientadores e Bolsistas de Iniciação Científica, de Délcia Enricone (2003), aponta alguns aspectos da iniciação científica. A autora acredita que professores-pesquisadores e órgãos financiadores reconhecem a relevância da pesquisa para os universitários. Para a estudiosa a pesquisa procura dar conta da “formação de recursos humanos” capacitados “para enfrentar os desafios de novas descobertas.” (p.215) Enricone reforça esta visão quando afirma:

É reconhecida a importância do Programa de Iniciação Científica no estímulo à atividade científica dos universitários. Mesmo que não se tornem pesquisadores ou não continuem os estudos pós-graduados, o que freqüentemente acorre, os efeitos da participação dos estudantes em pesquisas serão sentidos, decorrentes da utilização do método científico, do emprego do raciocínio lógico, da experimentação, do trabalho em equipe, da aceitação da disciplina própria de toda atividade científica e da atuação em encontros científicos. (p.214-215)

A pesquisadora enxerga dois aspectos positivos na iniciação científica. Um enfatiza que os graduandos “levam ao setor produtivo a cultura e a metodologia adquirida nos seus trabalhos.” (p.215) O outro realça a importância da “pesquisa para a continuidade de seus estudos pós-graduados.” (p.215) Em relação ao segundo aspecto, a autora esclarece: “O CNPq em seu Programa PIBIC, em relação aos bolsistas, pretende possibilitar a diminuição do tempo de permanência na pós-graduação. Além da redução de prazos também pretende melhor qualidade dos trabalhos.” (p.216)
Enricone (2003) argumenta que a iniciação científica é academicamente salutar para os universitários. Já que se trata de uma ciência-processo, na iniciação científica, diz ela, “a potencialidade é do aluno. Ainda que o desafio seja proposto pelo professor.” (p.216) Ela interliga três tipos de objetivos da iniciação científica. Eles procuram aproximar o estudante, o professor e a instituição. Primeiro, em relação aos alunos, busca-se construir o pensar cientificamente, aprender técnicas e métodos científicos, criar nova postura em relação à pesquisa, e preparar para a pós-graduação. Segundo, em relação ao professor-orientador, se quer estimular a produção científica através de atividades de formação. Finalmente, em relação à instituição, Enricone (2003) delineia várias tarefas. Ela sugere que é do interesse da instituição “introduzir a pesquisa na graduação, qualificar os melhores alunos para os programas de pós-graduação, possibilitar maior articulação entre a graduação e a pós-graduação, fortalecer a prática de avaliação interna e externa e auxiliar as instituições universitárias a cumprirem sua missão de pesquisa.” (p.216-217)
Em linhas gerais, a Universidade Regional de Blumenau (FURB), através dos grupos, linhas, pesquisadores e bolsistas, vêm respondendo qualitativamente à visão que Enricone esboça para a iniciação científica. No Departamento de Letras, o grupo de pesquisa Estudos Lingüísticos e Literários (ELLIT) responde a este apelo de modo particular. Desde a sua formação em 1995, e pertencimento ao Cadastro no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa em 2000, os pesquisadores e bolsistas do grupo conduzem pesquisas em algumas linhas: sala de aula, língua inglesa e discurso, Literatura Blumenauense, Literatura Brasileira, Literatura Americana e Literatura Afro-Americana. Até o momento, 28 projetos foram concluídos e apresentados em seminários e fóruns de iniciação científica, na universidade e fora dela. Envolveram 20 bolsistas e 7 professores. Em relação à articulação entre graduação e pós-graduação, seis bolsistas iniciaram, ou até já terminaram, seus estudos de pós-graduação (lato e stricto sensu).

Literatura Afro-Americana

No ELLIT, a literatura Afro-Americana é preocupação central na minha atividade de pesquisa e na dos bolsistas. Concluímos oito projetos que podem ser englobados em três grandes temas: identidades, políticas de conversão e dualismo. Porém, antes de comentarmos projetos e temas, cabe uma breve discussão da Literatura Afro-Americana.
Na Antologia Norton da Literatura Afro-Americana, Gates e McKay (1997) enxergam seis grandes fases na produção literária dos escritores negros americanos. Elas compõem um período de quase trezentos anos de criação literária. A primeira é nomeada literatura da escravidão e da liberdade, entre os anos de 1746 e 1865. Os textos mais destacados do período são as autobiografias de escravos. Dois escravos são particularmente relevantes: Frederick Douglass e a sua Narrativa da Vida de Frederick Douglass, um Escravo Americano (1845), e Harriet A. Jacobs e Incidentes na Vida de Uma Jovem Escrava, Escritos por ela Mesma (1861). A segunda compreende os anos que vão de 1865 a 1919. Ela inclui a literatura da reconstrução ao renascimento do Novo Negro e três grandes escritores. Na autobiografia, é destaque Desde a Escravidão, de Booker T. Washington. No ensaio, vale mencionar As Almas da Gente Negra, de W.E.B. Du Bois. Finalmente, na poesia, Carvalho e Trepadeira é a obra de Paul Laurence Dunbar.
A terceira fase compreende os anos de 1919 a 1940. É chamada de renascimento do Harlem. Os autores de maior reconhecimento na fase são dois. Na ficção, destaca-se Zora Nele Hurston com o romance Seus Olhos Viam Deus. Na poesia, Langston Hughes se sobressai com Boas Roupas para os Judeus. A quarta fase junta realismo, naturalismo e modernismo, entre os anos de 1940 e 1960. Os grandes escritores do período são três, todos ficcionistas. Richard Wright escreve Filho Nativo, Ralph Ellison publica Homem Invisível e James Baldwin produz Vai Dizer Isso na Montanha. A quinta fase cobre o movimento das Artes Negras, entre 1960 e 1970. No período, três gêneros são importantes: o teatro de Amiri Baraka, com a peça Holandês, a poesia de Nikki Giovanni, com a obra O Sentimento Negro, e a Autobiografia de Malcolm X, escrita pelo autor. Finalmente, a última fase traz a literatura escrita depois de 1970. Três mulheres sobressaem no período. Maya Angelou edita a autobiografia Eu Sei Porque o Pássaro Enjaulado Canta; Toni Morrison publica o romance Amada, e Alice Walker escreve A Cor Púrpura, sua mais aplaudida ficção.
Para dar conta de alguns aspectos da produção literária dos escritores negros americanos trouxe para o grupo a linha de pesquisa Literatura Afro-Americana. Passo, agora, a discutir os oito projetos desenvolvidos por mim e pelos bolsistas que orientei. Ao participarem dos projetos, os alunos de graduação em letras tiveram a possibilidade de construir pensar científico, de aprender técnicas e métodos científicos, puderam desenvolver novas posturas em relação à pesquisa. E parecem estar mais conscientes das exigências da pesquisa na graduação e na pós-graduação.
Com já informei anteriormente, os projetos podem ser agrupados sob três grandes temas: identidades, Políticas de Conversão, e Dualismo. Comecemos com as identidades.

Identidades.

A discussão das identidades negras é uma preocupação dentro do grupo de pesquisa. Ela se alia à noção de de-centração identitária que o sujeito pós-moderno evidencia. Tem como fundo teórico a posição que Stuart Hall (2001) apresenta para as identidades. Ele esclarece que, na pós-modernidade, o sujeito é “conceituado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (p.12-13).
Com o intuito de analisar mobilidades identitárias na literatura afro-americana, dois projetos foram desenvolvidos. No primeiro, Em Busca de Identidades Negras: Espiritualidade, Economia e Política na Literatura Afro-Americana (2002-2003) discute-se de que forma espiritualidade, economia e política podem contribuir para a construção de identidades na America Negra. Três obras de três grandes figuras afro-americanas são utilizadas no estudo. Para as associações entre espiritualidade e identidade foi selecionado As Almas da Gente Negra, de W.E.B. Du Bois. Para aproximar identidade e economia foi utilizado o livro Desde a Escravidão, a autobiografia de Booker T. Wahsington. Finalmente, para as conexões entre política e identidade foi estudada a autobiografia Narrativa da Vida de Frederick Douglass. A análise do texto de Du Bois permite a discussão das experiências espirituais relacionadas à produção cultural do homem afro-americano. Ênfase é colocada em dois aspectos: isolamento e integração. Os dois aparecem associados ao desejo de auto-valorização negra, característica forte da identidade negra que sai em busca da sua construção.
A discussão da autobigrafia de Booker T. Washington toma como parâmetros as experiências econômicas do povo negro. Desenvolve a idéia de que a igualdade social do negro na América resulta do sucesso econômico. A independência econômica deriva da educação funcional e qualificação profissional. O Estudo da narrativa de Frederick Douglass permite a análise do movimento abolicionista e proporciona uma leitura da escravidão a partir da experiência de um negro. Douglass sabe associar resistência e desejo de conhecimento e educação. Na liberdade, Douglass desenvolve habilidade retórica.
As experiências espirituais, econômicas e políticas dos três negros desembocam em dois tipos de identidades. De um lado, identidades solitárias realçam as criações identitárias do indivíduo negro. Do outro, identidades solidárias evidenciam as experiências identitárias das comunidades negras.
O segundo estudo, intitulado Identidades Femininas de Gênero e Raça na Literatura Afro-Americana de Mulheres (2003-2004) analisa as construções identitárias de três personagens femininas: Janie Crawford no romance Seus Olhos Viam Deus, de Zora Neale Hurston, Pecola Bredlove no obra O Olho Mais Azul, de Toni Morrison, e Celie na ficção A Cor Púrpura, de Alice Walker. Janie Crawford decide construir suas identidades em associação à necessidade do amor. A realização amorosa da personagem se processa em acordo como os valores da cultura negra, negociados nos limites dos seus três casamentos, ou relacionamentos afetivos com Killicks, Starks e Cake. Ela expressa o amor que tem por Tea Cake: “é que nem o oceano. É uma coisa que se move, mas mesmo assim toma a forma da praia que encontra, e é diferente em toda praia.” (p.208)
As identidades de gênero e raça elaboradas pela personagem Pecola Breedlove, na narrativa O Olho Mais Azul, de Toni Morrison (1970) evoluem a partir da sua busca do auto-amor e da auto-afirmação. Apesar dos seus encontros com mulheres com valores culturais negros, a realização do auto-amor da personagem se constrói em relação aos valores da cultura branca, representados pelos olhos azuis. Pecola não parece absorver os valores negros por não reconhecer autoridade racial nas meninas e nas prostitutas. Infelizmente, a cultura branca também não consegue garantir à menina negra nenhuma forma de autonomia emocional. “Só porque eu tenho olhos azuis, mais azuis do que os deles, eles ficam com preconceito,” (p. 197) diz a menina, ainda descontente.
As demandas identitárias de gênero e raça da personagem Celie, personagem central do romance A Cor Púrpura, de Alice Walker (1982) acontecem no contato que ela mantém com três mulheres negras: a irmã Nettie, a nora Sofia, e a amante Doci. Estas três formas de amizade representadas nas três mulheres atestam o crescimento emocional e espiritual de Celie. As próprias palavras de Celie atestam sua autonomia. “Eu tô feliz! Eu tenho um amor. Eu tenho um trabalho. Eu tenho dinheiro, amigos e tempo,” (p.193) ela avalia sua vida nova.
A centralidade do amor no estudo sugere a possibilidade do estabelecimento do processo de dialogismo entre textos de autoras negras. O dialogismo, ou a significação, como prefere Gates (1988), permite, como pretendemos deixar evidenciado, que “textos negros falem com outros textos negros.” (xxvi)

Políticas de Conversão

As políticas de conversão se tornam um interesse do pesquisador a partir do conhecimento do livro Questão de Raça, do filósofo afro-Americano Cornel West (1994) Quando pensa numa política da conversão West opõe niilismo à ética do amor. “O niilismo é uma doença da alma” (p.35) diz ele. A ética do amor “constitui a última tentativa para gerar entre as pessoas oprimidas o sentimento de que elas são capazes de influir” (p.35) afirma o autor. Em outras palavras, o amor é o antídoto para o niilismo. West descreve a política da conversão

Uma política da conversão requer mais. O niilismo não é vencido com argumentos e análises; ele é aplacado pelo amor e a solicitude. Toda doença da alma tem de ser sobrepujada por uma mudança da própria alma. Essa mudança se faz por meio da afirmação, pela pessoa, de seu próprio valor – afirmação essa alimentada pela consideração dos outros. Uma ética do amor tem de estar no centro da política da conversão (p.35)

Quatro projetos procuram dar conta das maneiras como políticas de conversão são desenvolvidas por homens e mulheres na literatura afro-americana. De forma simples, estas políticas querem realçar que é possível substituir os danosos efeitos do niilismo pelos restauradores aspectos do auto-amor. O primeiro estudo intitula-se Niilismo e Políticas Femininas de Conversão e Auto-Amor: a Construção da Femininidade Negra na Ficção de Toni Morrison (1997-1998). O estudo mostra que as personagens femininas da autora constroem femininidade através de dois tipos de experiências: de um lado, por meio, das trágicas experiências com a tríplice forma de niilismo: emocional, físicio e social; do outro, por meio das salutares relações que elas mantém com formas especiais de auto-amor. Neste campo da construção da femininidade negra, o estudo procura mostrar como Dorcas, Alice Manfred, Jadine, Pilate, Sethe e Amada – personagens nos romances Jazz, Pérola Negra, Canção de Solomon e Amada – desenvolvem experiências pessoais em três tipos de niilismo. Por outro lado, o estudo procura revelar como estas mesmas mulheres criam atitudes de auto-amor através do que West (1994) chama de “uma política de conversão” baseada na ética do amor.
Quando associa auto-amor a femininidade o estudo mostra que a mulher negra se apresenta engrandecida porque esta atitude representa reação eficaz ao niilismo devastador. Na abrangência do auto-amor, a femininidade das mulheres de Toni Morrison restaura a dignidade negra porque se alicerça na relação afetiva com pai, parentes, esposo, filho ou filha. Nestas relações de afetividade, a mulher se vale da segurança econômica, se volta ao cultivo de flores e jardins, dá ênfase à maternidade, estabelece formas de solidariedade com outras mulheres, irmã, e família. Todas se reestruturam depois da crise.
Fica claro que, na vida das personagens negras de Toni Morrison, o niilismo devastador e o auto-amor reparador são fenômenos excludentes e, quase sempre, experiências conflitantes. Porém, na relação que a mãe Sethe mantém com a filha Amada, os dois fenômenos coincidem, uma vez que o niilismo do assassinato da filha pela mãe pode se visto como um ato de amor de Sethe, a mãe que não deseja ver filha se tornar escrava como a mãe.
O segundo estudo é Niilismo e Políticas Masculinas de Conversão e Auto-Amor: A Construção da Masculinidade Negra na Ficção de Toni Morrison (1998-1999). Mostra como as personagens masculinas da autora desenvolvem masculinidades a partir de experiências emocionais, físicas e sociais do niilismo. Percebe-se que esta tríplice forma de niilismo se manifesta em atitudes doentias e comportamentos nefastos, dirigidos contra si mesmos e contra outros homens. O niilismo emocional desenvolve um tipo de masculinidade negra marcada pela renúncia das raízes culturais, degradação das esposas, arrogância dos brancos, falta de liberdade e perda da identidade. O niilismo físico faz surgir uma masculinidade afro-americana marcada por agressões físicas às esposas, namoradas, amantes e a si mesmos, e pelo assassinato de outros homens. O niilismo social dá força a um tipo de masculinidade negra contaminada pela insegurança financeira, auto-isolamento, solidão, medo, abandono da família e da comunidade.
O estudo posiciona o auto-amor como força neutralizadora dos efeitos danosos do niilismo. Na abrangência das experiências de auto-amor, a masculinidade negra se torna capaz de restaura a dignidade negra, quando se vincula à relação afetiva com a mãe, esposa, filha, e segurança econômica.
O estudo procura deixar claro que o niilismo devastador e o auto-amor reparador são experiências complexas. Um exemplo desta complexidade é a experiência de Guitar. Ele mata brancos que matam negros. Deseja proteger (amor) sua raça através dos assassinatos (niilismo) Os dois fenômenos coincidem, uma vez que o aparente niilismo do assassinato de pessoas brancas pode ser visto como um ato de amor de Guitar para com a própria raça.
O terceiro estudo é Ficcionalização do Niilismo e do Amor em Toni Morrison. (1999-2000). Discute as maneiras como escravos e escravas constroem masculinidades e femininidades nas narrativas de suas experiências durante a escravidão americana. Duas autobiografias servem de modelo: Incidentes na vida de uma jovem escrava e Narrativa da Vida de Frederick Douglass. O estudo mostra como seus autores Harriet Jacobs e Frederick Douglass constroem femininidade e masculinidade através do niilismo emocional, físico e social. Evidencia, também, as vivências de niilismo e auto-amor dos dois escravos, suas preocupações pessoais e suas relações com as comunidades de escravos em que vivem.
O estudo também se vale da idéia de significação. Segundo, Gates (1988) a significação enfatiza as formas como “textos negros conversam com outros textos negros” (p.xxvi). A partir da noção significação, o estudo realça as maneiras como os romances de Toni Morrison conversam com as narrativas de Harriet Jacobs e Frederick Douglass. Neste sentido, a significação construída por Toni Morrison com as duas narrativas de escravos desenvolve a idéia de intertextualidade negra. Ou seja, como textos negros da autora conversam com os textos negros dos dois escravos. A significação do niilismo é construída através das experiências de Harriet e Douglass, com o niilismo emocional, físico e social. São manifestações de comportamentos doentios e nefastos contra si mesmos e contra os negros de sua comunidade. A significação do auto-amor inclui também as experiências de auto-amor para recuperação de suas vidas e das comunidades negras onde eles vivem.
O estudo mostra como Toni Morrison significa sobre o niilismo e o auto-amor dos escravos através das experiências niilistas de personagens como Jadine e Son no romance Pérola Negra; de Violet e Joe no romance Jazz; de Pilate e Milkman no romance Canção de Solomon. De um lado, o niilismo e o auto-amor das mulheres Jadine, Violet e Pilate significam sobre o niilismo e o auto-amor da jovem escrava Harriet. Do outro, o niilismo e o auto-amor de homens como Joe, Son, e Milkman significam sobre niilismo e o auto-amor do escravo Douglass.
O último é Ficcionalização do Niilismo e do Amor em Toni Morrison.(1999-2000). Assemelha-se ao projeto anterior. Só mudam as obra de Toni Morrison. Elas significam sobre as mesmas narrativas de escravos. Discute os acontecimentos que marcam a vida de três personagens de Toni Morsison. São Pecola Breedlove no romance O Olho Mais Azul; Sethe Suggs na ficção Amada; e Linda Brent na narrativa de escravo, de Harriet Jacobs (1861; 1987). Estes eventos fazem com que elas exponham elementos de significação entre si. Trata-se de um forte elo de ligação, de comunicação, estabelecido de duas maneiras: através do niilismo, ou seja, de vidas sem sentido, sem esperança e sem amor; por meio do amor, ou seja, das tentativas de superação do niilismo. Quando Pecola é comparada a Sethe e Linda, revela uma importante diferença. Ao passar por dramáticos momentos (niilismo), Pecola lida com seus problemas de forma ingênua, infantil. É incapaz de entender o que acontece com ela e descobrir do que ela realmente precisa. Sethe e Linda sabem exatamente o que se passa em suas vidas e conseguem tomar medidas que, de alguma forma, amenizam seus problemas (niilismo). Desta forma, as três mulheres estão conectadas entre si, já que padecem formas parecidas de niilismo, lutam para superar o sofrimento e se comunicam através das histórias de suas vidas.

Dualismo

A preocupação com o dualismo negro na literatura afro-americana parte das percepções que dois críticos trazem para as experiências negras na América. Du Bois (1903;1999) esclarece que a experiência negra na América é dualista: um negro vivendo numa sociedade branca. Segundo o autor, a experiência dualista provoca no negro uma dupla consciência. Ele a define assim

É uma sensação estranha, essa consciência dupla, essa sensação de estar sempre a se olhar com os olhos dos outros, de medir sua própria alma pela medida de um mundo que continua a mirá-lo com divertido desprezo e piedade. E sempre sentir sua duplicidade – americano, e Negro; duas almas, dois pensamentos, dois esforços irreconciliados; dois ideais que se combatem em um corpo escuro cuja força obstinada unicamente impede que se destroce.

Cornel West (1993) atualiza para o início do século XXI o que Dubois preconizava para o negro das primeiras horas do século XX. West argumenta que o negro (intelectual e comum) tem a tarefa de fazer os valores negros e brancos trabalharem juntos. Ele esclarece que o negro deve mostrar, em relação aos mundos negro e branco, “uma negação crítica, preservação sábia e uma transformação insurgente da sua linhagem negra.” (p.85)
Dois projetos são desenvolvidos sob a categoria dualismo. O primeiro é Dualismo e Womanismo na Literatura Afro-Americana de Mulheres (2001-2002). Na abrangência do dualismo, womanismo coloca ênfase nas experiências da mulher negras. Walker (1982) define como womnista a mulher que “ama outras mulheres sexualmente e/ou não sexualmente, aprecia e prefere a cultura da mulher, a flexibilidade emocional e a força da mulher. Às vezes ama homens individualmente, sexualmente e/ou não sexualmente. Compromete-se com a sobrevivência e completude do seu povo, homens e mulheres” (p.xi).
O estudo utiliza o dualismo de Linda Brent, personagem de Incidentes na Vida de uma Menina Escrava Escritos por ela Mesma, a autobiografia da escrava Harriet Jacobs, como modelo para cotejar com o dualismo de algumas personagens da literatura afro-americana contemporâne”: Pecola Breedlove em O Olho Mais Azul de Toni Morrison (1970); Celie Johnson em A Cor Púpura de Alice Walker (1983; Helga Crane em Areia Movediça de Nella Larsen (1992); Lena Younger em Uma Cereja ao Sol de Lorraine Hansberry (1987)
O estudo realça a maneira como o dualismo e mulherismo se entrelaçam nas experiências de Linda Brent, na comunidade negra e no mundo branco depois da liberdade. Na sua experiência dos valores negros, Linda Brent encontra apoio na comunidade de escravos à qual ela pertence. São os valores vividos pela avó e irmãos. Os valores brancos que ela assume vêm da família do Dr. Flint, seu dono, de Mr Sands, o amante e pai de seus dois filhos. Ainda, algumas mulheres brancas contribuem significativamente para o dualismo de Linda Brent.
O estudo também discute as maneiras como Pecola Breedlove procura aproximar os dois mundos. Realça que a ela falta a habilidade para lidar com os ideais negros e em opô-los aos ideais brancos, especialmente àqueles associados à beleza anglo-americana simbolizados nos olhos azuis. O desejo de possuir olhos azuis provoca desequilíbrio na vida da menina de onze anos. Loucura e o abandono da comunidade a levam para longe do amor que tanto procura. Nem as experiências womanistas que mantém com negras como as irmãs McTeers e as prostitutas conseguem livrá-la da tragédia final.
O estudo discute também as maneiras como Celie Johnson alia dualismo e womanismo com a ajuda de Shug Avery. A amizade e o amor das duas mulheres permitem que Celie, temporariamente, busque o mundo branco como pequena empresária do ramo de confecções. Estes dois sentimentos marcam pri cipalmente suas vidas nas comunidades negras. A pesquisa também evidencia como Helga Crane está consciente da integração que faz entre os valores negros e brancos. Através de relacionamentos com outras mulheres ela atinge o equilíbrio que West sugere ao negro afro-americano. Por fim, o estudo mostra que Lena Younger inicia também uma caminhada na busca da integração dos dois mundos. Esta postura dualista conta com o apoio da nora Ruth.
O segundo estudo é Dualismo e Masculissmo na Literatura Afro-Americana de Homens (2000-2001). No território do dualismo, o masculismo dá cor às vivências dualistas do homem negro. A idéia de masculismo vem associada à noção do Novo Negro. Nas palavras de Amritjit Singh (1997), o novo negro insiste “nas várias esferas da sua auto-definição, auto-expressão e auto-determinação” (p. 536). O estudo discute inicialmente o dualismo de Frederick Douglass (1845), na sua autobiografia Narrativa da Vida de Frederick Douglass, Escrita Por ele Mesmo. O estudo enfoca o forte desejo presente em Douglass de integração com mundo branco. Este é conseguido através de muita luta, sofrimento, preconceitos e vitórias. Douglass sai da escravidão para escrever sua história de conquistas no mundo branco.
A historia de Douglass é utilizada como modelo para as experiências de quatro outros personagens negros: Thomas Bigger em Filho Nativo de Richard Wright (1940); o personagem sem nome em Homen Invisível de Ralph Ellison (1952); e John Grimes em Vá Contar na Montanha de James Baldwin (1953). O estudo revela que dualismo e masculisno são experiências que se integram na trajetória deste três homens, da mesma forma que se harmonizam na vida de Frederick Douglass.
Fica evidente nas discussões que Richard Wright faz de Bigger Thomas um negro nacionalista. Ele se recusa a integrar-se ao mundo branco, mas quando participa dele é por necessidade. A experiência é desastrosa. Acidentalmente ele mata a filha do patrão e acaba vítima dos valores brancos. A análise ainda mostra a experiência dualista do personagem sem nome de Ralph Ellison. Ele tem a possibilidade de optar pelos dois mundos, mas acaba se isolando no mundo que idealizou para si nos subterrâneos da cidade, um território neutro. Finalmente, o estudo enfatiza que o personagem John Grimes, de James Baldwin, entrega-se à vida religiosa por não encontrar espaço adequado nos dois mundos, o negro e o branco.

Conclusões

A discussão do encontro entre iniciação científica e a literatura afro-americana no grupo de pesquisa Estudos Lingüísticos e Literários (ELLIT) coloca a iniciação científica no centro das preocupações deste texto. Enfatiza a relevância do trabalho dos bolsistas. Realça especialmente que os estudantes desenvolveram pensar científico e estão preparados para seus estudos de pós-graduação.
O ensaio reforça a idéia de que as identidades, as políticas de conversão e os dualismos são aspectos relevantes na tradição literária dos negros americanos. Estes também são temas que podem ser utilizados para estudos que pretendam aproximar as produções literária de negros na África e nas três Américas.


Referências

DU BOIS, W.E.B. As Almas da Gente Negra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 19903, 1999.
ENRICONE, D. Qualidades Desejáveis em Professores Orientadores e Bolsistas de Iniciação Científica. Porto Alegre: Educação, Outubro, 2003, no. 51, p. 213-238.
GATES, H. L.Jr. & MCKAY, N. Y. The Norton Anthology of African-American Literature. New Work: W.W. Norton, 1997.
HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
SINGH, A. The New Negro. In: Andrews, W. L., Foster, F. S. & Harris, T. (eds.). The Oxford Companion to African American Literature. Oxford: Oxford University Press, 1997, p.536-537.
WALKER, A. In Search for Our Mothers’ Gardens: a Womanist Prose. New York: A Harvest/HBJ Book, 1983.
WEST, C. Questão de Raça. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
WEST, C. The Dilemma of the Black Intellectual. In: West, C. Keeping Faith: Philosophy and Race in America. New York: Routledge, 1993, p. 67-85.

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