quarta-feira, 22 de junho de 2011

MINHAS NEGRAS LINGUAGENS ENTRE BLUMENALVA, NAUEMBLU E NEGRITICE

JOSÉ ENDOENÇA MARTINS

Eu que escrivivo, vivo o que escrevo,


E escrevo o que vivo.
Porém, se vejo o que escrevo
O que vejo?
Eu vescrevo, não escrivejo.
José Endoença Martins, Poelítica, 1995, p. 97

Esta autoficção diz um pouco de como vejo a posição de um escritor que também é escritor. Partes destas idéias estão num texto que escrevi em 2003, em inglês, ainda não publicado. Lá dizia que um escritor que também ensina literatura geralmente tem dois desejos: um, de criar a sua própria escrita; o outro, de ajudar outros a desenvolver a própria literatura. Embora goste e me envolva com os dois desejos, ainda não sei – depois de tantos anos de ensino e de escrita – o que a literatura realmente faz por aqueles que a amam.
Tenho ouvido por aí que dá prazer, ou que causa dor. Mas tenho as minhas dúvidas. Na verdade, não sei se literatura é destino, chamamento ou busca. O que sei é que quando ela me procurou, não a esperava. Aconteceu simplesmente que estava ali, disponível, me abri, ela tomou seu lugar na minha vida e nunca mais me deixou. Por isso, quando estou às voltas com a literatura – a minha e de outros – meu rosto, meus dentes, olhos, minha cara inteira, toda a minha pessoa, todo o meu mundo parecem se envolver com ela também. Como um vírus, o contágio é inescapável.

ENTRE FUTEBOL E LITERATURA: O COMEÇO

Para comentar sobre como a literatura tomou conta da minha vida, um pouco de história, biografia e autobiografia. Na verdade, trata-se de um combate entre futebol e literatura. É um pouco da areia movediça que tomou conta de minha vida nos anos 60. Hoje, posso me perguntar o que perdi e o que ganhei na passagem que fiz do futebol para a literatura. Ainda não tenho resposta. Um pouco da história do que vivi naqueles anos pode ajudar o leitor a acompanhar como cheguei até aqui.
Em 1960, tinha 12 anos, e vi minha vida oscilar entre Pelé e São Francisco. Em 1958, Pelé tinha sido o melhor jogador da Seleção Brasileira de Futebol que havia vencido a Copa na Suécia. Como havia se tornado um herói nacional desde então, qualquer menino negro no país, que tivesse alguma intimidade com a pelota, desejava seguir os passos dele. Eu era um deles. Pelé era o espelho mais visível no qual todos nós queríamos ver nossas habilidades futebolísticas refletidas.
Naquele ano eu jogava no juvenil do Vasto Verde, da Velha. Meu treinador via em mim um jogador extraordinário. “Você é nosso Pelé – ele costumava dizer antes dos jogos. Faça o que você sabe fazer, gols.”
Não sei quantas vezes o decepcionei, ou quantas vezes o deixei feliz. O fato é que ele sempre esperava muito de mim. Por causa do grande incentivo que dava às minhas qualidades de jogador acabei acalentando um sonho ambicioso: iria ser o melhor jogador de futebol do país. Eu realmente acreditava que me tornaria um e que faria uma promissora carreira no futebol. Meu pensamento: se Pelé estava conseguindo, eu também conseguiria.
Mas a vida geralmente prega peças estranhas em nós. Também pregou em mim.
No mesmo ano de 1960, encontrei Frei Gilberto que se tornou meu treinador espiritual, no Grupo Escola Adolpho Konder, na Velha. “Vou fazer pelo menos um Franciscano dentre vocês,” ele nos disse. Eu era um aluno nas suas aulas de religião. Ele repetia sua mensagem regularmente, todas as aulas, como um mantra. Falava de São Francisco e quando disse que o Santo gostava de esporte e que, certamente, teria gostado de futebol se fosse brasileiro, Frei Gilberto me ganhou para sua causa. Tornei-me, então, seu melhor aluno. A luta entre Pelé e São Francisco ficou, então, aberta, mas não saberia dizer quem sairia vencedor, o futebol ou o sacerdócio.
Em 1961, São Francisco derrotou Pele. Frei Gilberto me roubou do futebol, e mudou toda a minha vida. Em fevereiro daquele ano, entrei no Seminário Franciscano de São Luiz de Tolosa, na cidade de Rio Negro, Paraná. Tinha decidido que me tornaria padre, um franciscano. Passei 8 anos com os franciscanos. Naqueles anos, não apenas abandonei Pele e abracei São Francisco, eu escolhi entre o que os dois representavam – o mundano e o espiritual. Ao escolher a espiritualidade, fui feliz em conseguir aliar-me à vida franciscana, e juntar futebol e orações. Somente quando descobri meu grande interesse por línguas e pela literatura, o futebol e o que representava para mim perderam a importância e os livros assumiram papel relevante.
Agora, sei o que não poderia saber naqueles anos. É para isso que serve a experiência. Que eu só conseguiria desenvolver gosto especial pela literatura em Rio Negro e em Agudos, São Paulo, para onde fui dois anos mais tarde para continuar meus estudos para o sacerdócio. Não conseguiria fazer aquilo em Blumenau, com a minha vida totalmente tomada pelo futebol. O seminário foi o lugar certo para aquela mudança. Eu o usei para o meu crescimento literário. Li e estudei todo tipo de literatura – tive acesso a escritores e textos brasileiros, portugueses, latinos, franceses, ingleses, americanos e gregos.
O resultado foi impressionante. As minhas preocupações com as obras daqueles escritores me levaram à escrita dos meus poemas, ficção, critica. Foi quando pude perceber finalmente as semelhanças simbólicas entre futebol e literatura. – um jogo de jogadores e um jogo de textos – e me decidi definitivamente pela literatura. Quando saí do seminário, no começo dos anos 70, tinha bases literárias consistentes e uma certeza: seria um profissional das letras. Em Blumenau, fiz meu curso de letras, meu mestrado em Florianópolis e meu doutorado em literatura afro-americana, e desenvolvi uma perspectiva mais consistente do meu ensino de literatura.

POESIA, POERÂMIDES E VARAIS

Em 1972, publiquei um poema num jornal de Blumenau, Perdi o poema nas muitas mudanças de endereço que fiz. Acho que era um poema promissor. Tinha escrito e publicado dois ou três poemas ou contos nas revistas do seminário nos anos 60, porém tinha dado pouca importância a eles. Era muito jovem para me levar a sério. Desde 1972, venho publicando meus poemas em jornais da cidade, principalmente aqueles que julgava que pareciam inovadores. Um exemplo?

Seio cobertos de ouro,
Ou descobertos,
Não e o que queremos.
Seios cheios do que queremos
E o que queremos.
Os aspectos inovadores que poemas, como este, trouxeram para a tradição literária de Blumenau são seu erotismo racional. Naqueles anos, a tradição literária blumenauense incluía nomes de poetas como Geraldo Luz, Vilson do Nascimento, Lindolf Bell e Érico Max Mueller. Geraldo Luz levou meus poemas para o jornal A Cidade, o mesmo onde publicava seus poemas, todo domingo. Anos mais tarde, Vilson do Nascimento, me apresentou aos leitores do Jornal de Santa Catarina.
Pelas leis das convenções literárias, a tradição e o novo talento tendem a estabelecer as regras para uma coexistência mutua. Como estava tomando parte naquele jogo literário, fiz a promessa de que nunca o deixaria. Nos anos seguintes, consegui publicar meus textos – poemas, contos e textos críticos – em muitos dos cadernos literários dos jornais do estado – o Santa, O Estado, A Noticia, e O Diário. Participei também de antologias com outros poetas e contistas.
As poerâmides e o grupo Poetas de Varal apareceram nos anos 80. Achava que era preciso ir além dos cadernos dominicais dos jornais. Era necessário dar ao poema outros espaços como fazia Alcides Buss, em Joinville. Tinha como aliados os alunos de letras da FURB – entre eles, Maria José Ribeiro, a Tuca. E o espaço das poerâmides e dos varais eram os corredores da Universidade e os eventos culturais e literários da cidade de Blumenau.
Em 1986, publiquei Me Pagam pra Kaput, meu primeiro livro de poema. E incluí nele alguns poemas dos poetas de varal. As reações ao livro foram varias. Enquanto Fabio Brüggeman escrevia em O Estado que “Me Pagam Pra Kaput ainda deixa desejar, Lauro Junkes, escrevia “assim, surpreendentemente, o realismo rude e agressivo do titulo Me Pagam Pra Kaput nos envolve e conduz ao reino da poesia.” De 1987 a 1996, escrevi e publiquei outros livros de poesia: Me tomam Pra Doryl (1987), Me Vestem pra Dujon (1988), Diet Poesia (1990), Traseiro de Brasileiro (1992) e Poelítica (1996). Foram dez anos de poesia. O que faz uma pessoa dedicar dez anos da sua vida a escrever poesia ainda é um mistério para mim. Seria falta de alternativas? Seria destino, vocação ou busca? Não sei. Estava tentando me encontrar? Quem sabe, talvez o metapoema – um poema sobre o poema – que incluo, agora, coloque alguma luz ao meu “eu” poético:

Poema, me olha
De cima destes versos
De fora e de dentro,
Enquanto me vejo
Em cada um dos teus movimentos.

Acho que uma melhor explicação é a do crítico e poeta blumenauense Dennis Radünz. “Seus poemas expandem-se a partir de fragmentos de prosa – da piada ao provérbio – evidenciando um poeta prometéico que se insurge contra a poesia, subjugando o som ao sentido, em obra de batismo e barbárie”, escreve o poeta. Estas palavras me agradam muito.

PROSA: UMA FICÇÃO ENTRE ANJOS E BERTÍLIAS

Chega de poesia. A ficção – a prosa - reclama seu lugar. Escrevi meu primeiro texto ficcional no seminário e continuei escrevendo ficção quando voltei a Blumenau no começo dos anos 70. Desde então, tenho visto meus contos impressos nas páginas do Santa e de O Estado. Acho que um conto interessante que escrevi foi O Anjo de Blumenau. O texto conta o que acontece a um anjo e às pessoas quando ele decide visitar a cidade sem ser esperado. O anjo é preso e cortado em pedaços que as pessoas levam para casa como souvenirs. O conto termina com uma visão bem pessimista. “Na praça, apenas o que sobrara do anjo, ali ao sabor de quem chegasse primeiro: os urubus ou o carro do lixo municipal.”
Também participei de antologias e concursos. Num dos concursos, fui classificado, ganhei o terceiro lugar e algum dinheiro. O conto classificado – Praça de Cão e Padre – foi publicado na antologia Os Contos Premiados da Furb. A história é sobre o abuso de uma criança por um adulto e a indiferença das pessoas à violência. O velho que abusa do menino, mais tarde, ataca a população que se recusa a proteger o menino da fúria do velho. O conto finaliza numa reconciliação mútua entre o menino e o homem. “O menino veio para perto dele, sentou-se ao seu lado,” conta o narrador. Professor Demerval Mafra fechou o ensaio crítico que escreveu sobre o conto, realçando os elementos que unem os dois personagens: “a demência ativa e a passiva, reunidas numa mesma dor, provenientes de motivos diversos, mas que, por falta de juízo crítico, fazia sofrer as duas personalidades afinadas pelo mesmo diapasão, esperando as mesmas ajudas.”
Em 1993, publiquei o que considero meu mais experimental texto de ficção. Enquanto isso em Dom Casmurro foi o resultado de anos de preparação e estudo. Penso que é um romance pós-moderno, talvez o primeiro em Santa Catarina. Basicamente, o texto conta a história de uma mulher que tem identidades múltiplas e se movimenta entre elas. “A identidade é uma celebração móvel,” diz Hall. A mulher é, ao mesmo tempo, Capitu, Sula Miranda, Zezé Motta e Bertilia. A idéia por trás do romance é a de que na experiência pós-moderna nós não temos uma identidade fixa e unitária, mas muitas. É por isso que quando abandona Dom Casmurro – romance realista de Machado de Assis – e vem para Blumenau, Capitu desenvolve todas aquelas quatro novas identidades de mulher. Acho que parte do sucesso do meu romance se deve à associação explícita ao texto de Machado de Assis. Somente parte dele. A outra parte vem da qualidade e da novidade do arranjo textual que consegui construir. Também penso que o romance foi lido, analisado e estudado por muitos especialistas em Literatura Brasileira. Dei duas grandes entrevistas e vi minhas idéias sobre o texto publicadas nos jornais A Noticia e Diário Catarinense. Apesar do ódio que o romance provocou em muitas pessoas que acreditavam que se tratasse de uma blasfêmia contra Machado de Assis, outros apontaram criticamente as qualidades literárias da obra. Antonio Hohlfeldt escreveu no livro A Literatura Catarinense em Busca de Identidade – Poesia que “no romance de estréia de José Endoença Martins, o aspecto pós-moderno não é um simples modismo, mas a base imprescindível de afirmação do próprio projeto, que se deseja pós-moderno, naquilo de fragmentário e de combinação díspar que o pós-modernismo possui como característica, para poder cumprir com sua função: a crítica de determinada realidade.”

BLUMENALVA, NAUEMBLU, NEGRITICE

Em 1995, comecei a me preocupar com projetos de pesquisa literária no curso de letras da FURB. Eles foram o inicio de uma parceria com alguns professoras e alunos do curso. Entre as professoras estavam Maria José Ribeiro (Tuca), Ângela Leven, Aleksandra Piasecka Till. Em 2000, criamos o Grupo de Pesquisa Estudos Lingüísticos e Literários (Ellit) que se tornou responsável por muitos projetos de pesquisa em língua e literatura, e pela Lírio Astral: Revista Virtual de Literatura Catarinense.
No Ellit, eu tinha duas grandes áreas de interesse: a literatura blumenauense e a literatura afro-americana. Dos estudos da literatura blumenauense surgiram estes conceitos ou metáforas: blumenalva e nauemblu. Com eles desejava desenvolver um esquema metodológico para a análise da nossa literatura local. Argumentava, em projetos e artigos, que qualquer análise da literatura escrita em Blumenau a partir dos anos 60 e que quisesse ser levada a sério deveria considerar as metáforas blumenalva e nauemblu. Sugeria também uma separação cronológica e de idéias entre as duas. Escrevi que “fica enfatizado, no inicio deste estudo que, enquanto metáforas para a análise de literatura e historiografia literária de Blumenau, Blumenalva e Nauemblu não são apenas antagônicas e excludentes, mas que, especialmente, Nauemblu representa a superação de Blumenalva.” E por que a segunda se torna um avanço em relação à primeira? Porque, ao representar a germanidade local, Blumenalva é tida como moderna e colonizadora; enquanto que ao se apresentar como a desarticulação da germanidade local, Nauemblu se entrona como pós-moderna e pós-colonizadora.
É no espaço metafórico da Nauemblu que se inclui a Negritice. Pode-se dizer que a negritice deseja ser a Nauemblu que lida cor o texto do autor negro, enfocando as experiências negras em Blumenau. A Negrice começa a se delinear no romance Enquanto Isso em Dom Casmurro, segue na peça de teatro O Olho da Cor. A Negritice combina os aspectos negativos da Negrice com os positivos da negritude. A Negrice é o discurso utilizado pelos brancos para inferiorizar o negro. A Negritude é o contra-discurso que o negro utiliza para restabelecer o auto-amor. Restabelecida auto-estima negra, a negritice permite que negros e brancos possam construir relações inter-pessoais mais harmoniosas e cordiais.
No contexto das preocupações com a questão do negro blumenauense, a peça é uma expansão da crise de identidade com a qual a mulher negra [Bertilia] já se vê às voltas no meu romance. De uma forma humorística, apresento uma mulher que é negra no primeiro ato, branca no segundo e que faz sua opção racial e de cor no terceiro. Em outras palavras, confiro a ela identidades móveis, que permitem que Bertilia se movimente no âmbito da Negritice. O neologismo – linguagem – sugere que somos resultados dos discursos que os brancos criam sobre nós e dos discursos que inventamos sobre nós mesmos. Mover-se no seio da Negritice é o que o negro aprendeu a fazer desde que foi trazido da África e depositado na escravidão das terras brasileiras.
Encerro a peça com uma visão pós-moderna da identidade feminina negra, fazendo a personagem se perguntar se ela saberá lidar com as muitas identidades que construirá para si:

Será que vou saber conviver comigo mesma? Com meu olho azul sem furá-lo, quando for negra? Com meu olho negro sem desprezá-lo, quando for branca? Com os dois, quando as duas cores me cobrirem? Será que vou conseguir? Será que vou conseguir aceitar outras pessoas em iguais, ambíguas e múltiplas situações?

Professor Dilvo Ristoff foi o primeiro leitor da peça e suas palavras resumem o sentimento que sempre me vem quando leio a peça:

A julgar pelas inúmeras alusões, repetições e revisões, e pela sua riqueza de linguagem, pelo seu mistério, pelo prazer que proporciona e pela capacidade de falar das angustias humanas do mundo pós-colonial, podemos ter a certeza de que estamos diante de uma obra que será lida por muitos durante muito tempo.

A VIZINHA QUE APROXIMA BELL, DRUMMOND E WHITMAN

Em A Vizinha de Bell, Drummond e Whitman, a insistência na linguagem – metalinguagem, metapoesia – dá o tom da significação. Os Textos “significam”, uns sobre os outros. Eles conversam e dialogam por meio da linguagem, da metalinguagem. Em outras palavras, Whitman conversa com Drummond que dialoga com Bell. Eles “significam.”
Outra coisa: a metalinguagem de A Vizinha de Bell, Drummond e Whitman repete e revisa a de O Olho da Cor que, por sua vez, vai repetir e revisar a de Enquanto Isso em Dom Casmurro que cria uma relação de repetição e revisão com o poema minuto de Me Pagam Pra Kaput. Se Gates – crítico literário afro-americano – está certo quando afirma que, num ambiente de significação, textos negros conversam com textos negros, então o que preciso fazer é continuar mostrando como os meus textos dialogam entre si através da linguagem.
A fabulação metalingüística de A Vizinha de Bell, Drummond e Whitman – conjunto de narrativas analítico-críticas – se constrói de uma forma especial: a discussão de livros, na maioria de poesia. Como o título sugere, os textos para a discussão entre a vizinha e o narrador têm três origens: Bell representa o texto local; Drummond, a escrita nacional; Whitman, a linguagem internacional. Porque engloba a literatura local, nacional e internacional este texto pode ser chamado de transnacional.
No livro, o aspecto relevante da metalinguagem é que sua crítica literária abandona a tradicional retórica avaliativa para assumir uma retórica hibridizada. Por meio de diálogos erotizados, os ensaios misturam a poesia do poema minuto, a narrativa de Capitu/Bertilia e o drama de Bertilia. Estes aspectos emprestam ao livro uma feição pós-moderna na estrutura e no conteúdo. Em relação ao conteúdo mantém os aspectos temáticos já veiculados pelo poema minuto de Me Pagam Pra Kaput: ironia, irreverência, humor, amor, hamor, política, corpo e erotismo. Um exemplo da recorrência destes aspectos no livro: “olho minha vizinha e tento uma brincadeira machista qualquer. Julgar pela tua plástica que este teu baby-doll diminuto e transparente sugere teu corpo está pleno de tudo: de juventude, alegria e sedução vitais. Aliso os seios dela enquanto falo.”
Tudo é linguagem – e suas metas – nas nauemblu que atravessa o poema, o romance, o drama, o ensaio, meus. Se tudo tem a ver com linguagem, tudo se volta ao pós-modernismo também. É o que pensa Marshall:

Postmodernism is about language. About how it controls, how it determines meaning, and how we try to exert control through language. About how language restricts, closes down, insists that it stands for some thing. Postmodernism is about how ‘we’ are defined with that language, and within specific historical, social, cultural matrices. It’s about race, class, gender, erotic identity and practice, nationality, age, ethnicity. It’s about difference.

Bertilia, a minha personagem que conversa com outras mulheres e dialoga consigo mesma no romance e na peça, é pós-moderna, hibridizada, branca-negra. Ela reafirma com dramaticidade o que Marshall diz. “É a linguagem que constrói tudo: cor, godots, estragons e vladimires,” ela nos informa em O Olho da Cor. A Vizinha concorda, plenamente.

NEGRITICIE CONTAMINANDO SHAKESPEARE

A Cor Errada de Shakespeare é o nome do meu próximo livro, de contos, para este ano ainda. Trata-se de um livro escrito todo ele em inglês inicialmente, cujos contos serão traduzidos para o francês, o espanhol e o português. É uma obra em quatro línguas. Apresenta nove textos ficcionais e não-ficcionais, cujos personagens, na sua maioria, são negros. Tem alguns personagens brancos, como no texto Amante de Gatos, onde Bertilia é uma branca, cuja vida e saúde mental são marcadas pela presença do gato Tea Cake. No fim da história, Bertilia diz a Bento, o jornalista que aparece para entrevistá-la: ‘“na verdade, vivemos melhor, nós três,’ Bertilia disse a Bento. ‘E o que é melhor, Tea Cake e meu marido me ensinaram como voltar a confiar nos seres humanos.’ Ela recuperou sua estabilidade emocional, por fim.”
Nesta coleção de contos, negritice, negritude e negrice de Bento e Bertília são possíveis porque os dois personagens mantêm contato com os mundos branco e negro do Jaracumbah, o lugar onde interagem com os brancos. No conto Perdida nos Olhos de Deus, Bertilia é a filha que uma alemã tem com o negro Bento. É nesta família bi-racial, híbrida, que Bertilia desenvolve sua negritice. Primeiro, ela revela sua negrice quando mora sozinha com a mãe branca. Mais tarde, ela evidencia sua negritude quando sai em busca do pai negro que a abandona quando ela nasce. Finalmente, Bertilia demonstra sua negritice quando consegue reaproximar o pai e a mãe novamente. As palavras que dirige ao pai e à mãe, no final do conto, explicitam bastante sobre o tipo de negritice que ela é capaz de criar: “mãe, pai, somos uma família agora, nós três,” Bertilia disse.
A negritice da família de Bertilia se prolonga na experiência que Bento tem com a negritice, no conto Sobrevivendo à Segunda Morte. Ocorre a significação – intertextualidade - entre os dois contos. Porque enquanto a comunidade de Bertilia se concentra na família, no conto de Bento, sua negritice se estende à comunidade do Jaracumbah. Neste espaço amplificado, primeiro aparece negrice de Bento quando um branco o insulta na rua, dizendo: “seu negro sujo, porque não limpa esta sua cara negra antes de exibi-la em público.” O insulto faz Bento sentir-se tão humilhado que começa a desejar ser branco. Mais tarde, no apartamento, Bento dá inicio a um ritual de embranquecimento. “Alguns minutos mais tarde ele estava esfregando papel higiênico banco e molhado no rosto para arrancar do rosto sai negrura. Ele permaneceu naquele ritual desesperador de embranquecimento durante o dia todo.”
Algum tempo depois, quando Bento conversa com um velho negro que está prestes a morrer, sobre a situação dos negros no mundo branco, se sente orgulhoso da sua negritude. Com o ancião Bento aprende o que é ser negro e isso o conforta. “Bento se sentiu como filho dele e ficou agradecido por aquele momento de empatia que os uniu. Bento tomou a mão dele para a agradecer o que o ancião lhe disse, e olhou nos olhos dele. ´Seja sábio e vença aqueles que te ofenderam,´ o moribundo disse.” No final do conto, quando encontra o branco que o havia ofendido e perdoa-lhe o insulto, Bento dá espaço a sua negritice:

Aprendi a perdoar com aquele homem ali e te perdôo,” Bento disse. Ele me ensinou a sabedoria. Chorei de vergonha, dor e desejei matar você, mas este homem me disse que as lágrimas carregam sabedoria.”
“Perdão pelo que disse e fiz a você,” o branco disse.
Os dois apertaram as mãos.
“Ele me ensinou a sabedoria também,” o branco disse.
Bento sentiu que iniciava ali uma vida bendita. Afinal, seu nome não queria dizer ‘Bendito’?

O que os contos ressaltam é a validade da negritice como a experiência negra que se dirige à construção de identidades. A movimentação entre negrice, negritude e negritice não apenas indicam, como quer Hall, que a identidade seja “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.” A oscilação identitária ainda propõe ao afro-descendente dois tipos de responsabilidade: responsabilidade para com eles mesmos, e responsabilidade para com os outros. Assim, imbuídos desta dupla carga de responsabilidade, Bento e Bertilia se aproximam do herói existencialista, de quem Jean Paul Sartre cobra:

Porém se de fato a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Então, a primeira tarefa do homem existencialista é se apoderar do que ele é e assumir total responsabilidade por sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é responsável apenas por sua própria individualidade. Queremos dizer que ele se torna responsável por todos os homens.

Nos contos, sigo apostando na negritice e na significação. Com os dois conceitos, repito e reviso aspectos da tradição literária afro-americana. E os coloco a conversar com personagens afro-brasileiros do Jaracumbah. Por exemplo, no conto Sobrevivendo à Segunda Morte, Bento se torna um exemplo do catalista orgânico e crítico. West esclarece que o negro catalista sabe combinar culturas diferentes. Ele “permanece sintonizado com o que há de melhor que o pensamento vigente (branco) tem a oferecer – seus paradigmas, pontos de vista e métodos – mas também procura reafirmar sub-culturas (negras) de crítica.” Nesta narrativa curta, Bento é um catalista, isto é, é capaz de combinar, nas suas experiências, os valores do pensamento branco com os aspectos da sub-culturas negras. Como resultado, parece impensável que ele possa se congelar na validação da negrice ou da negritude.

PESQUISA, LITERATURA, ENSINO

Já no inicio desta entrevista faço referencia à situação do escritor que também ensina literatura e digo que sua ação é dupla: a de criar a sua própria escrita e a de ajudar outros a desenvolverem a própria literatura. Agora, acrescento uma outra: a pesquisa. Meu interesse na pesquisa também apresenta duas preocupações: o ensino e a literatura. Isto é, penso que, de um lado, a pesquisa tem que levar á produção do texto criativo; do outro, deve municiar a ensino de literatura.
Dois campos de pesquisa me interessam: a literatura blumenauense, a literatura afro-descendente. No primeiro caso, os dois aspectos mais relevantes são blumenalva e nauemblu; no segundo, a negritice. Creio que posso dar uma idéia da minha atenção à literatura blumenauense com uma rápida referência a um artigo. Blumenalva e Nauemblu: Metáforas de Uma Historiografia Literária de Blumenau, publicado no livro Nosso Passado (In)comum: Contribuições para o debate sobre a história e a historiografia de Blumenau (Theis, Mattedi, Tomio, 2000), inicia uma discussão dos aspectos mais importantes da literatura local a partir dos projetos de pesquisas desenvolvidos por professores e alunos-pesquisadores de Letras, no Ellit, o grupo de pesquisa Estudos Lingüísticos e Literários. No artigo, as duas noções Blumenalva e Nauemblu são associadas a vários projetos de pesquisa. Sugiro, então, que o texto

Deseja situar o estudo e realçar que ele pretende fazer uma análise da historiografia literária local a partir de um enfoque que contempla Blumenalva e Nauemblu. O estudo acredita que como a literatura, a historiografia literária local está igualmente marcada pelas mesmas metáforas. Três pontos são relevantes: (1) a caracterização das metáforas Blumenalva e Nauemblu na poesia blumenauense, (2) a análise dos textos que se aproximam do que se decide chamar Historiografia Blumenalva, e (3) a compreensão dos textos que se incluem naquilo que pode ser chamado de Historiografia Nauemblu.

O meu apreço à noção da negritice deriva dos estudos da literatura afro-americana. O artigo A Literatura Afro-Americana na Iniciação Cientifica da Furb, publicado na RDC 87 (Set/Dez 05) resume as preocupações que tinha e continuo tendo no que se refere aos textos de autores afro-descendentes. Três são os aspectos relevantes: identidades negras, políticas de conversão e dualismo. Fecho a discussão do artigo dizendo que

As identidades, as políticas de conversão e os dualismos são aspectos relevantes na tradição literários dos negros americanos. Estes também são temas que podem ser utilizados para estudos que pretendam aproximar as produções literárias de negros na África e nas três Américas.

No ensino da literatura procuro aproximar “as produções literárias de negros na África e nas três Américas.” Atualmente, no Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade (Curitiba, Pr.) esta é a minha preocupação. Insisto no estudo da teoria literária criada por pensadores africanos Wole Soyinka) e afro-descendentes (Cornel West, Du Bois, Édouard Glissant). E procuro mostrar como as discussões literárias e teórico-críticas se voltam para as construções de identidades negras, dentro da idéia de mobilidade identitária de Hall. Na abrangência das identidades três recebem mais ênfase nas minhas aulas: as assimilacionistas, as nacionalistas e as catalistas. Procuro sempre mostrar aos mestrandos como as identidades negras se movimentam em direção daquilo que Glissant chama de crioulização identitária. Ao defender que as culturas se crioulizam no mundo inteiro Glissant me oferece um instrumental teórico para encontrar exemplos e experiências de crioulização identitárias para os negros. Defendo que, nas experiências crioulas, negros e brancos são convidados a estabelecer parcerias e solidariedades. O comentário de Glissant sobre a crioulização cultural entre povos diferentes é relevante para a criação de pedagogia intercultural que privilegia construção de identidades negras a partir da experiência literária. Glissant explicita que

A crioulização exige que os elementos heterogêneos colocados em relação se “intervalorizem”, ou seja, que não haja degradação ou diminuição do ser nesse contato e nessa mistura (...). Essa visão coloca a identidade como fator e como resultado de uma crioulização, ou seja, como rizoma, a identidade não mais como raiz única mas como raiz indo ao encontro de outras raízes.

Ou seja, uma pedagogia crioula ajudar a entender e a experimentar os benéficos resultados de raízes diferentes se entrelaçando, sem que uma diminua a outra, ou que se sinta diminuída pela outra.
Ensinar assim é gratificante.

JARACUMBAH, OXFORD, MUNDO

Nasci no Jaracumbah no dia 25 de Março de 1948. Era a semana santa e minha mãe encontrou no calendário católico daquele o meu segundo nome: Endoenças. Ou seja, as endoenças de Cristo: o sofrimento ( a paixão e morte) do Filho do Homem. Assim nasci sob o duplo peso da dor: no nome e na raça negra.
Não sei se foi este meu nascimento associado às endoenças Dele que me levaram ao seminário franciscano, aos onze anos. Sei, porém, a minha vida entre os franciscanos tem a ver com as aulas de religião de Frei Gilberto, no Adolpho Konder, da Velha. Em 1961, estava estudando Latim, no seminário São Luiz de Tolosa, em Rio Negro, Paraná. E jogando futebol. Aquele tempo, por causa do futebol, meu apelido era Pelé. Todos eram bons em Latim, eu, em Futebol: um peixe fora d’água.
Dois anos mais tarde, 1963, estava em Agudos, São Paulo, no seminário Santo Antônio. O futebol continuava sendo meu ponto de contato com a instituição branca. Em 1964, no quarto ano do ginásio, a grande descoberta: eu era bom também em inglês. Já podia, então, associar futebol e qualidade intelectual. Em 1965, a poesia chegou, quando Frei Onésimo, decepcionado com a qualidade que o nosso Primeiro Ano do Científico detinha na Matemática aconselhou: “não sabem Matemática? Vão fazer poesia.” O melhor conselho que recebi do Frei. A poesia me ganhou, aos 16 anos. Era um trio perfeito: futebol, inglês, poesia. Naquele mesmo ano a ficção tomou espaço na minha vida também.
Nas férias de dezembro de 1965/1966, o diagnóstico médico: tuberculose. O Desespero de minha mãe junto ao poema de Álvares de Azevedo: E ‘se eu morresse amanhã? Na certa... Mas eu era José. E, agora, José? Mas eu não morreria nunca. Nem numa valsa vienense. Eu era duro. Era o adeus ao futebol, o adeus ao seminário. Quatro meses de internamento, em Florianópolis, no hospital Nereu Ramos. De novo Frei Gilberto, o meu anjo da guarda. Será que aquele anjo do meu conto, mutilado pela população, quando chega à cidade era Frei? No hospital, remédios, injeções e orações, diários, para debelar aquela enfermidade dos românticos. As mortes mensais dos enfermos mais debilitados. Em Julho, a volta para casa: curado. Os cuidados de minha mãe constante: gemada, leite, comida especial. A responsabilidade dos meus irmãos irmãs. A solidariedade também. Sem eles, certamente morreria amanhã, romanticamente, poeticamente, álvaresdeazevedomente.
1967, a volta ao seminário. Era a alegria da volta e a surpresa dos colegas. Mas o futebol já não era o mesmo. O inglês estava melhor, a poesia também e a ficção, igualmente. E as orações? Eram necessárias? Tinham alguma importância? Na metade de 1968, quando os estudantes, intelectuais, trabalhadores franceses mudavam a França e o mundo, Frei Cláudio decidia que eu não tinha o fervor franciscano e me aconselhava a sair. Naquele ano histórico em que a pós-modernidade francesa dava espaço a Barthes, Derrida e Foucault, os franciscanos se cansavam de mim e me jogavam nos textos destes pensadores.
Letras, na Furb, nos anos 70. Meu encontro com Acarim Amorim e Oldemar Olsen e seus jornais: O Universitário e o Acadêmico. De novo, muito inglês, poesia, ficção e literatura. Pouco futebol. Em 1986, o primeiro livro de poemas. Me Pagam pra Kaput reúne toda a produção poética, desde 1972, quando o poeta Geraldo Luz publica o meu primeiro poema no jornal A Cidade. O título: Embora o Amor Morra; o tema: o silêncio. Os últimos versos insistem no mutismo:

Calem-se os puros
Calem-se os derrotados, os vencedores.
Calem-se os matemáticos
Calem-se.
Que eu persigo a vida
E no mutismo, embora o amor morra
E a dor não redima,
Elaboro a “catapulta para sublimar-me.

Qual a razão de tanto pessimismo? A presença dos militares na condução país? A tuberculose? A saída do seminário? Mas nem tudo é pessimismo. O verso de Bell entre aspas traz a esperança e o otimismo. Bell, havia esquecido que sua influencia já se fazia sentir em 1972. A visão negativa do amor não impediu o casamento misto em 1976, e o nascimento da minha filha bem amada “em que pus toda a minha complacência”: Sheila.
De 1986 a 2006, os livros se seguiram e variaram: passaram da poesia, para romance, para teatro, para o ensaio, para o conto. E a literatura me levou ao ensino e este a pesquisa. A pesquisa desembocou nas viagens pelo país e pelo mundo. Primeiro, a Oxford, em 2000. Escrevi um artigo a respeito no Jornal da Furb, (Abril/2000), com o título Do Jararacumbach a Oxford, em que dizia que “minha mãe ficaria contente como o título deste texto. Meus amigos de infância também. A nossa experiência comum de infância está representada na palavra Jararacumbach. Já Oxford é uma experiência solitária, individual, minha.” Em 2004, quando voltei à cidade que Hitler decidiu não atacar porque queria transformá-la na capital do seu império, na Inglaterra, já não se tratava de “uma experiência solitária, individual, minha”. Mara, minha muita amada esposa, estava comigo.
Mara também esteve comigo em Nova York, em Agosto de 2001. Três dias na cidade renderam um texto – Nova York é Uma Amiga - com pequenas impressões sobre a cidade, a reação silenciosa dos alunos do professor Andrews ao atentado, e a vida da escrava que foge da escravidão e procura refugio na cidade no século 19. Digo no artigo que:

Se todo aquele silêncio entre os americanos era uma demonstração de culpa, perda ou insegurança, ainda estava para ser descoberto. Contudo, enquanto não se descobria Bento achava que as ex-escravas Linda Brent e a filha Ellen forneciam uma inspiração instigante a todos, americanos e estrangeiros. “Leitor, minha história termina com a liberdade,” escreveu Linda. Liberdade de todo e qualquer tipo de opressão é do que todos necessitamos, no silêncio ou nas lágrimas, Bento pensou.

Exigências do doutorado em literatura afro-americana nos levaram aos Estados Unidos. Um mês mais tarde, acontecia o 11/09. Vimos muito tudo pela TV. No artigo que escrevi para o Jornal da Furb, a pedido do jornalista e amigo Aristeu Formiga, contei a respeito das reações dos meus amigos americanos ao fato. Fecho o texto dizendo que
Pedir aos americanos que abandonem qualquer sentimento de retaliação contra aqueles que infligiram tremendo golpe no orgulho e na auto-estima nacional é certamente um desejo ingênuo. Ostentar força, poder e jogá-los na cara do mundo é o que faz este país viver. Eles almoçam e jantam poder e não vai ser diferente agora. E o preço que ter pagar ainda não foi colocado diante deles. Esta atitude – a cultura do poder – ainda vai canonizar aqueles que feriram mortalmente o coração do poder econômico e político deste país.

A pesquisa para o doutorado foi feita em Chapel Hill, pequena cidade da Carolina do Norte. Durante um ano, a literatura e o Jaracumbá se mudaram para lá. Foi lá que terminei a peça de teatro O Olho da Cor, publicado em 2003. Foi de lá que enviei para o Jornal da Furb o artigo Jaracumbá é Aqui, Com Literatura. Nele digo que

Há uma razão muito simples para que o Jaracumbá seja em – esteja – Chapel Hill. Já que o Jaracumbá é um espaço literariamente idealizado – mental, lingüístico, psicológico, nunca físico – ele estará sempre onde eu estiver. Estando eu em Chapel Hill, o meu Jaracumbá literário é aqui. A insistente referência ao espaço blumenauense que cada vez mais ganha evidência nos meus textos literários dá o tom a este artigo.

Na minha vida, a literatura – produção, pesquisa e ensino – só me tem trazido consolação. Por isso quero finalizar esta entrevista com um último artigo que escrevi enquanto me encontrava em Chapel Hill. No ‘Cheese Danish’ e o Sul: as consolações da literatura, escrevi sobre o quanto a literatura – minha e dos outros – me enchia de prazer até aquele momento, naquele país. Dizia, então, que:

A busca da literatura é quase sempre a busca da compensação para uma vida de ajustes indesejados. As imposições sociais – materiais e espirituais – precisam de válvulas de escape e o vazamento acontece através do trabalho literário. Estudando, escrevendo, pesquisando, ou ensinando textos literários, em casa ou na sala de aula, em Blumenau ou em Chapel Hill, a literatura se torna um prato de lentilhas que não troco pela mais promissora primogenitura.

Como lentilha ou como primogenitura, a literatura me ajudou a superar futebol e doenças. Assim, me fez endoenças. Não peço mais nada. E persigo suas consolações nos textos e nas línguas que me procuram e me inventam.

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