quarta-feira, 20 de julho de 2011

AMAR GATOS

JOSÉ ENDOENÇA MARTINS


“Tentei com as pessoas minha vida inteira, mas falhei completamente,” Bertilia disse a Bento quando se reuniram pela primeira vez para a entrevista.
Por que disseram que era tímida e reclusa, e o disseram para patrulhá-la, Bertília se voltou para os gatos. Acreditava que os felinos a entenderiam melhor que a família, os amigos e o marido. Queria que os gatos funcionassem como terapia e esperava que elevassem sua baixa auto-estima. Já havia tentado com os seres humanos, mas tinha sido derrotada. Daquela vez, era a decisão, os gatos iam salvá–la.


“Sou quieta, as pessoas são barulhentas demais. Não soubemos como lidar uma com as outras,” ela continuou. “Bento, tive que tentar com um gato.”
Ela, então, falou ao jornalista da sua busca por um gato. O problema era que nunca tivera um, e não sabia nada sobre eles. A primeira coisa que fez foi aprender sobre eles. Queria saber como eles se sentiam ou se comportavam. E decidiu que ia começar do nada. Fez um plano para aproximar-se deles. Segurando um exemplar de Seu Gato e Você, um manual de cuidado com gatos, ela deixou o apartamento e passeou pela vizinhança para examinar o território dos felinos. Quando encontrava um gato no quintal de alguma casa, abria o manual e checava as informações. Primeiro, aprendia que a fêmea e o macho tinham territórios exclusivos, que não se misturavam.
Bertília queria um macho. Porém, não se desesperou quando sentiu que não sabia diferenciar um macho de uma fêmea à distância. Ela consultaria um veterinário depois. Ele a ajudaria a encontrar um que se encaixasse nas suas preferências e necessidades. Ela se acalmou com a informação de que um gato era capaz de identificar seu espaço e defendê-lo. E riu quando leu que o gato urinava para marcar território.
Ela começou a se preocupar com o que o marido iria dizer. Ele suportaria viver num apartamento fedendo a urina de gato? Isto não seria um problema porque ela iria providenciar uma bandeja higiênica para o animal, como sugeria o manual. Ela leu a informação que lhe acalmou a mente: ‘um gato aprende com a mãe a fazer as necessidades meticulosa e regularmente.’ Isto acabaria com a resistência do marido.
De volta ao apartamento Bertilia achou que lhe faltavam informações mais precisas sobre os felinos. Tinha visto os gatos e estudado seu comportamento nas casas dos vizinhos, mas achou que precisava saber mais. Comprou livros, solicitou folhetos e conseguiu materiais promocionais. Depois, procurou uma veterinária. Aprendeu com a Dra. Brückermann a respeito de gatos: comida, cuidado, higiene, comportamento, cor e raça.
“Os gatos precisam de comida balanceada,” a veterinária a aconselhou. “Comida caseira e industrializada são boas se forem balanceadas.”
Quando achou que sabia o suficiente, Bertilia recebeu Tea Cake, o gato que a amiga Benedita tinha prometido a ela.
“Tea Cake e eu temos algo comum,” ela disse a Bento. “Você deseja vê-lo?”
E antes que o jornalista pudesse dizer alguma coisa, pegou-o pela mão e o levou ao território de Tea Cake, perto da cozinha. Ele estava dormindo e decidiram não acordá-lo. O local tinha tudo que ele precisava para se sentir bem: a caminha, os brinquedos, um afiador de unhas feito de palha. E bastante espaço para brincar, também.
“Aqui nada perturba o seu sono,” ela disse.
Ela contou a Bento que quando acordava de manhã Tea Cake fazia a higiene, se alimentava, e brincava. “Em seguida, ele me acorda pressionando o corpinho contra o meu rosto. E brincamos na cama antes de me levantar,” ela disse.
Mencionou que Tea Cake gostava de dormir com ela, mas o marido era contra. As vozes dos dois acordaram o gato. Tea Cake abriu os olhos, esticou o corpo e correu para os braços de Bertília. Ela o segurou e acariciou-lhe o pêlo. Ele estava acostumado com aquele carinho e foi receptivo. Tea Cake olhou o jornalista, como se ele estivesse quebrando a harmonia da sua nova família.
“Tea Cake, temos visita,” ela disse. Ele olhou para ela como se a entendesse. “Ele está escrevendo sobre nós, seremos famosos.”
Saíram dali e foram conversar na sala de estar. Tea Cake abandonou o colo de Bertília e atravessou a cozinha correndo na direção da lavação. Bento e Bertília o seguiram e viram que estava se alimentando. Bertilia tinha posicionado a bandeja de higiene cheia de areia branca no chão. Ela a tinha limpado pela manhã depois que ele tinha usado. Ao lado da bandeja Bertília tinha colocado uma vasilha de água, outra de leite e uma de ração. Tea Cake bebeu água e comeu a ração, mas não tocou no leite, nem usou a bandeja. Quando pulou sobre a máquina de lavar roupa e se sentou sobre o parapeito da janela para olhar a rua lá embaixo Bertília empalideceu de medo. Ela correu e o retirou daquele lugar perigoso.
“Você quer morrer, Tea Cake? Você está no sétimo andar e uma queda daqui é fatal, mesmo para um gato esperto como você,” ela disse. Queria ensinar-lhe que nunca devia sentar-se ali. Tea Cake não aprendeu. Ele sempre retornava ao parapeito, atraído pelo casal de andorinhas que havia feito o ninho na caixa do ar condicionado posicionada mais acima.
Quando voltaram à sala de estar Bento perguntou a Bertilia a respeito da reação do marido à presença de Tea Cake na família.
“Ele está se acostumando com o gato, e aprendeu muito sobre os felinos,” ela disse.
Bertília contou que o marido aceitou Tea Cake por causa dela, mas ainda odiava gatos. Ele não queria gatos no apartamento e havia jurado que a deixaria quando Tea Cake chegasse. Durante duas semanas ele se manteve beligerante em relação a ela e ao gato. Recusou-se a falar com ela, a ajudá-la na cozinha, a dormir com ela, ou a beijá-la, quando ia trabalhar. E mais, ele tratava mal o gato quando ela se ausentava. E o deixava sem água, nem comida. Colocava Tea Cake no parapeito da janela.
“Pula, gato maldito,” ele dizia.
Desejava vê-lo cair e se esborrachar contra o calçamento lá embaixo.
“Depois daquele período ele começou a me manipular,” ela disse.
Ele enviava flores à esposa, comprava vestidos e planejava viagens à praia. Em retribuição ela teria que renunciar a Tea Cake. Bertilia resistiu a tudo aquilo. Ela sabia que Tea cake seria sua última oportunidade de encontrar estabilidade emocional.
Por fim, ele jogou sua última cartada. Acreditava realmente que a venceria.
“Meu marido me disse: ‘não dá para confiar num gato, eles são como os humanos.’”
Fortalecida pela presença de Tea Cake ela se manteve firme.
“De jeito nenhum,” ela disse. “Tea Cake é carinhoso, surpreendente e reconfortante.”
O marido, então, se isolou no silêncio. Bertília esperou.
Nas semanas que se seguiram, o marido mudou completamente.
“Hoje os dois se dão muito bem,” ela disse.
Bertília contou ao jornalista como ela o ajudou o marido a aceitar Tea Cake. Depois de algum tempo, ele já dava banho, alimentava e brincava com o gato. Pela manhã, quando ela ia ao trabalho, o marido ficava em casa com Tea Cake. Ele costumava telefonar ao escritório para contar-lhe o que o gato estava fazendo ou como estava se sentido. Ela o instruía a se dar bem com Tea Cake. Ele aprendeu rapidamente e melhor do que ela esperava.
“Agora, ele sabe mais do que eu sobre Tea Cake,” Bertília riu de alegria. “Uma manhã ele me telefonou e estava realmente preocupado. Tea Cake havia sofrido um acidente,” Bertília disse.
Tea Cake havia tentado pegar as andorinhas no ninho dentro da caixa do ar condicionado. Ele saltou na direção da caixa lá em cima, errou o pulo, e se estatelou lá embaixo na cobertura da garagem. Teve um grave ferimento na cabeça e quebrou costelas e a bacia. O marido foi atraído pelo barulho e os miados de dor do bichano. Viu-o sofrendo lá no primeiro andar. Ele o levou à doutora Brückermann. Quando Bertília chegou à clínica, a veterinária estava preparando Tea Cake para a cirurgia.
“Me perdoa, querida, mas não pude fazer nada,” o marido disse à esposa e segurou-lhe as mãos. Ele sofria com os ferimentos do gato. “Você me pediu para fechar a porta da lavação, mas achei que o gato não ousaria caçar as andorinhas.”
A cirurgia foi um sucesso, mas Tea Cake teve que permanecer na clínica mais algum tempo. Em casa, o marido garantiu a Bertília que eles iam ter uma vida melhor quando Tea Cake voltasse para casa.
“Realmente tivemos, os três,” Bertília disse. “E o melhor é que Tea Cake e meu marido me ensinaram a confiar de novo nas pessoas.”
Ela encontrou a estabilidade emocional, finalmente.

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