domingo, 3 de julho de 2011

O TEXTO FEMININO NA LITERATURA BLUMENAUENSE DOS ANOS 60 AOS 90

JOSE ENDOENÇA MARTINS
GABRIELA JOANA PEREIRA

RESUMO
O artigo discute as relações de ruptura e solidariedade em personagens femininas de nove escritoras blumenauenses. Enfatiza a causa, os efeitos e as construções dos dois aspectos. Analisa também os traços de Blumenalva e Nauemblu nas obras e estabeleçe as ligações que mantêm com Ruptura e Solidariedade.
PALAVRAS CHAVE: Ruptura, Solidariedade e Relacionamento

ABSTRACT
The article evidences the relationships between disruption and solidarity in female characters of nine women writers in Blumenau. It also emphasizes cause, effects and building of the two aspects. Finally, it studies Blumenalva and Nauemblu in the works, and establishes the connections they maintain with disruption and solidarity.
KEY-WORDS: Disruption, Solidarity and Relationships

INTRODUÇÃO

Sob a orientação do professor José Endoença Martins, iniciei, em 2002, o projeto Solidariedade e Ruptura: O Texto Feminino na Literatura Blumenauense dos Anos 60 aos Anos 90. No estudo, analiso textos de nove autoras blumenauenses: A Imigrante de Edith Kormann, Verde Vale de Urda Alice Klueger, Bomba Relógio de Anamaria Kovács, O Fel do Cio de Rosane Magaly Martins, Espontânea de Tânia Rodrigues, Resgate de Emoção de Terezinha Manczak, Contos & Poemas de Raquel Furtado, Pouso de Andorinhas de Cristina Baumgarten (Pakuczwsky), e Lavra Lírica de Eulália Radtke.
Meu interesse é discutir as relações de Ruptura e Solidariedade que as mulheres (personas e personagens femininas) constroem nos textos das autoras blumenauenses e suas respectivas ligações com Blumenalva e Nauemblu. Levanto também algumas perguntas, como: Que relações de solidariedade às escritoras constroem para as mulheres em suas obras? Que relações de ruptura as escritoras constroem para as mulheres em suas obras? Como as escritoras blumenauenses criam seus personagens voltados para a germanização (Blumenalva) e para a desgermanização (Nauemblu)? E quais as influências de Blumenalva e Nauemblu nos textos das escritoras Blumenauenses.

RUPTURA FEMININA

As rupturas englobam as relações conflituosas da mulher para com o homem, da mulher para com ela mesma e com sua infância. Temos de um lado a mulher que rompe com o homem, ou seja, com o mundo masculino e os valores que ele representa e defende. Do outro, percebemos a mulher que rompe consigo mesma, quando procura uma nova forma de perceber as coisas que a cercam, com os velhos valores. Procuramos entender as causas da ruptura, suas conseqüências, seus ganhos e perdas, para as personas poéticas.
Tânia Quintaneiro (1998) afirma, no livro Retratos de Mulher: a brasileira vista por viageiro ingleses e norte-americanos durante o século XIX, que uma das causas da ruptura entre homem e mulher é o ciúme masculino chamado pela autora de “verdadeira marca nacional”. Um outro fator, segundo Quintaneiro (1998) é:

O rigoroso controle sobre as mulheres, fruto, em parte, da devassidão dos homens fora de casa e de sua desconfiança dentro dela, sendo observado em todas as camadas da sociedade, assim, “brancos, mulatos e pretos” são iguais; cada um trata de fechar sua mulher a sete chaves a fim de poder gozar mais livremente de suas paixões. (p.41)

A busca pela independência feminina, a realização total da mulher e sua autonomia perante o homem são temas centrais do livro O Fel do Cio, de Rosane Magaly Martins. Nos poemas, Martins apresenta várias rupturas no relacionamento da mulher com o homem. A autora enfatiza a busca da independência feminina que exige a quebra dos laços entre a mulher e o homem. Como o homem não aceita a independência feminina à mulher não resta outra opção a não ser terminar o relacionamento que mantém com o homem. Martins realça a idéia de que o homem, muitas vezes, não aceita a quebra da relação, pois, na sua visão machista, a mulher deve ser submissa. Porém, Martins deixa claro que a mulher que busca independência não se submete à superioridade masculina e provoca, assim, o fim do relacionamento, pois o homem não a satisfaz mais. Martins (1989) ilustra a ruptura feminina nos versos: “As mãos do homem/ já não serviam/, Os caminhos do homem/ já não bastavam/. O homem é que não servia” (p.27).
Já as rupturas de Eulália Maria Radtke (2000) são feitas através de mulheres que não rompem apenas com o homem, mas também com elas mesmas, quando estas não se aceitam como pessoas desaprovando a sua própria imagem, como a autora relata no verso A Guardiã de Rebanhos: “em que espelho trágico/ hei de arrolar os efeitos cínicos/ - graves silenciosos e retraídos – das primeiras rugas que se impõem / como a gota de mel/ que turva e ao mesmo tempo perfuma/ o vinho?.” (p. 62) A mulher nesses versos rompe agora com ela, quando não que ver seu próprio reflexo no espelho. Naomi Wolf no livro A Lei do Mais Belo: a ciência da beleza (1999), afirma que: “a beleza é um sistema monetário, assim como o ouro. Como qualquer economia, é determinada pela política e, na idade moderna no Ocidente, é o último e melhor sistema de crenças que mantém a dominação masculina intacta.” (p.11) Segundo Wolf: “as imagens que vemos à nossa volta são baseadas em um mito... A beleza é uma ficção conveniente usada por indústrias milionárias que criam imagens do belo e as traficam como ópio para a massa feminina.” (p.12) Assim fazendo com que a mulher rompa com ela mesma por se achar imperfeita diante dessa sociedade que lhe impõe a magreza absoluta e a preocupação constante pelo belo.
As relações de rupturas geralmente são causadas pelo descontentamento feminino, porém, essas rupturas trazem na maioria conseqüências positivas como: o crescimento da mulher, a descoberta de uma nova mulher até então encoberta por medos e anseios, seu amadurecimento, um futuro guiado por ela mesma além da mulher universal capaz de lutar por seus interesses. Mas traz também conseqüências negativas como: a perda do parceiro, a falta do carinho e da mão de acaricia e consola.

SOLIDARIEDADE FEMININA

As relações de solidariedade englobam as relações da mulher para com o homem, da mulher para com ela mulher e dela mulher com o outro. A mulher visa entender o motivo dessa solidariedade, suas conseqüências e seus ganhos e perdas.
Ashley Montagu (1970), no seu livro A Superioridade Natural da Mulher, afirma que a cooperação, não o conflito, é que é a lei da existência. Há alguns anos, o Prof. Chauncey D. Leake também revelou a um grupo de cientistas americanos o seguinte princípio:

A probabilidade de sobrevivência de um relacionamento entre indivíduos humanos aumenta de acordo com a extensão em que esse relacionamento é mutuamente satisfatório. Isto é , naturalmente, um caso especial de principio mais em geral, a probabilidade de sobrevivência de indivíduos ou grupos de coisas vivas aumenta com o grau em que ele se ajustarem harmoniosamente entre si e a seu ambiente. (p. 151)

Ashley Montagu, demonstra através disso a necessidade da solidariedade na relação desde o inicio dos tempos, além disso ela também demonstra outros exemplos de solidariedade como é o caso da mulher, sendo solidária a seu esposo como: copeira, lavadeira, cozinheira, concubina, ama e governanta.
Ira, personagem do romance A Imigrante, é um exemplo das diversas mulheres de Kormann (1998). A autora desenvolve personagens que, mesmo com muitas dificuldades impostas pela vida, não deixam de ser solidárias com os homens com os quais vivem. Ira é o mais bem acabado exemplo de solidariedade feminina. Ela sofre primeiramente uma ruptura com sua terra natal, Áustria, pois tem que deixá-la para sempre, junto com seus sonhos, riquezas e anseios. E vem para o Brasil para fugir da guerra. Porém a saudade de sua pátria não se transforma em egoísmo e rancor, e sim em solidariedade para com o avô, com o marido e com ela mesma. Ela demonstra solidariedade para com o avô Ernesto, nesse trecho:
“para evitar vender o acervo artístico do avô, Ira começou a plantar verduras no jardim, que vendia ou trocava pelo que mais necessitavam no momento. Com o tempo, a verduras não cresciam mais viçosas e Ira, preocupada, procurou nos velhos livros do seu avô a causa, descobrindo ser falta de adubo. Ira, sem meios para comprar adubo recolhia com um balde, de madrugada, as fezes dos animais que à noite defecavam nos terrenos baldios das redondezas.” (p. 28 )

Já as relações de solidariedade presentes no romance Verde Vale de Urda A. Klueger são marcadas pela solidariedade da mulher para com o seu marido, nesse trecho da obra: “lavar e passar roupa, cuidar das sementeiras, ajudar Humberto no seu pesado trabalho de desmatamento, preparar a próxima refeição”. (p.35) A mulher além de exercer seus afazeres, também auxilia seu marido dos dele, essa mulher determinada em fazer crescer seu patrimônio sabe a necessidade dessa ajuda para com o seu marido.
Pode-se afirmar depois da analise das relações de solidariedade que, estas proporcionam à mulher um crescimento interno, pois ela se desenvolve como pessoa, e não simplesmente como mulher. Torna-se sensível, humanitária, amiga e doadora dela mesma. E surge uma nova mulher, completa interna e externamente.

BLUMENALVA E NAUEMBLU

Inicio aqui outro tipo de discussão. Trata-se da análise que relaciona ruptura e solidariedade a outros conceitos, Blumenalva e Nauemblu. Acreditamos que Blumenalva deva estar associada a Solidariedade; Nauemblu, a Ruptura.
Blumenalva e Nauemblu são conceitos criados por José Endoença Martins (2000). No ensaio Blumenalva e Nauemblu: Metáforas de Uma Historiografia Literária de Blumenau, Martins nos avisa que “Blumenalva remete a metáfora da cidade de Blumenau e do vale na poesia belliana.” (271) E vista a partir de uma concepção positiva da cidade e centra-se na germanização e na beleza. No texto de Martins, tudo que representa germanidade está associado a Blumenalva.
A escritora Urda Alice Klueger é o exemplo mais completo do texto blumenalva Klueger centra suas obras nos traços germânicos de Blumenau e, assim, dá contornos estéticos bem definidos da Blumenalva na ficção. Suas personagens retratam as mulheres germânicas do inicio do século, sofridas, domésticas e reservadas ao lar, em oposição a seus maridos duros, austeros e integrados a sociedade. Urda Alice Klueger realça esses traços germânicos através de seus personagens, em especial “Eillen”, personagem do romance Verde Vale. Eillen é uma imigrante alemã meiga e frágil, determinada nos serviços do lar e voltada para a sua família. A autora realça a dedicação de Eillen à família: “Eillen derreteu gordura de porco-do-mato para uso na cozinha até encher uma das latas.em seguida, reuniu gordura por algum tempo. Com lixívias de cinzas, fabricou sabão.” (p. 36) A mulher de Klueger centra-se na Blumenalva devido sua germanização, sua preocupação com o bem-estar do lar e sua passividade.
Os traços de Nauemblu se ligam a noção ao de ruptura que assumimos neste estudo. Estão claramente associadas à construção da independência feminina. Em O Fel do Cio, obra poética de Rosane Magaly Martins, a mulher assemelha-se a Nauemblu, devido ao seu crescimento interior e sua busca pelo prazer. A mulher independente diz: “as mãos do homem/ já não serviam/ Os caminhos do homem/ já não bastavam/ O homem é que não servia”.(p. 27) Nos versos de Martins, a mulher atinge seu crescimento, pois não necessita mais de seu parceiro. Agora, ela pode seguir seu caminho com seus próprios passos. A mulher de Martins também rompe com a sua submissão feminina, relacionando-se novamente a Nauemblu. Ela busca seu caminho e independência, como a autora escreve: “e cortou as amarras/ e cresceu como um bolo/ fermentado e explodiu/ na boca do homem azedo (...).” (p.09) Diferente de Eillen e Ira, que depende da família onde o centro é o homem, a mulher de Martins corta os laços com o homem para atingir assim o novo e conquistar sua independência.
Partindo das analises feitas, pode-se dizer que os traços de Blumenalva que remetem a solidariedade podem, muitas vezes, remeter também a Nauemblu e conseqüentemente ruptura. A mulher germânica também se revolta diante do tipo de vida que é forçada a viver. Ela não aceita sua vida passiva e submissa e partindo em busca do novo. É o caso da personagem Ira, no romance de Kormann, A Imigrante. A imigrante Austríaca, após a morte de seu avô, larga sua vida de modismo e confortos e sai em busca de sua sobrevivência, deixando de lado a passividade.
Dessa forma, Naumeblu e Blumenalva se mesclam, assim como solidariedade esta ligada à ruptura. Em outras palavras, germanização e desgermanização são também os dois lados da mesma moeda que é a literatura blumenauense. A solidariedade é completada pela ruptura, assim como a ruptura completa à solidariedade.

CONCLUSÃO

Conclui-se assim, que as relações de ruptura são geradas pelo descontentamento feminino como evidencia Rosane em sua obra, quando a mulher rompe com as amarras que lhe fazem de escrava. Mulheres cansadas de sua submissão e passividade que correm em busca do novo, da realização de seus sonhos de criação da nova mulher. Ela quer ser critica, capaz e universal, requisitos que as novas relações sociais exigem.
Já as rupturas de Radtke são gerada por mulheres que não rompem apenas com o homem, mas também com elas mesmas, quando estas não se aceitam como pessoas desaprovando a sua própria imagem. Mulheres que não conseguem nem ao menos se ver a frente de um espelho.Assim as mulheres de Eulália Maria Radtke (2000) vão sempre em busca de uma nova mulher que é capaz de romper com ela mesma deixando para traz antigas posturas e buscando a reconstrução dela mesma como pessoa e se aceitando como ser humano, perecível de erros, tropeços para futuros acertos.
Nas relações de solidariedade pode-se concluir que as mulheres, sempre são solidárias para com o homem seja ele, amigo, parente, marido, vizinho ou amante. Kormann em sua obra A Imigrante demostra essa solidariedade através de sua peronagem principal Ira, que e solidária para com todos a sua volta. Em toda a obra esta presenta a presença de uma mulher forte e companheira, determinada a manter seu casamento e seu amor, por mais difícil e humilhante que seja, solidária em todos os momentos.
Já Klueger destaca esta solidariedade da mulher para com o seu marido do romance Verde Vale. Eillen a personagem central do conto e solidária para com e esposo, cuidando da casa, dos filhos, da plantação e dele mesmo. As mulheres de Verde Vale são na sua maioria solidárias e doadoras de si para o outro.
Além das relações de ruptura e solidariedade temos a sua ligação com Blumenalva e Nauemblu. Blumenalva remete-se a idéia de germanização com mulheres prendadas, discretas, de sexualidade restrita e sem voz na sociedade, ligando-se assim a solidariedade devido suas características de amor e zelo ao próximo. Já Nauemblu e o contrario de Blumenalva, ela exalta a modernidade, o desapego as tradições e a submissão feminina, são mulheres que lutam e constroem-se, remetendo-se a ruptura devido seus traços marcantes de busca pela liberdade, crescimento interior e busca pelo novo.
Dessa forma as mulheres, sejam através de suas rupturas ou solidariedade elas chegam a sua total autônoma e independente, cada uma a sua própria maneira e método, ate aquelas que contestam a independência e o fim da submissão, crescem e buscam a sua quebra das amarras a sua maneira. Assim no projeto, proponho a valorização e descoberta da verdadeira mulher dos anos 60 aos 90, presentes nos textos femininos na literatura blumenauense.

REFERÊNCIAS

MONTAGU, Ashey; A Superioridade Natural da Mulher. Tradução por: Lygia Junqueira Caiuby. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. 188p. Tradução de: The Natural Superiority of Women.
QUINTEIRO, Tânia; Retratos de Mulher: a brasileira vista por viageiros ingleses e norte-americanos durante o século XIX. Petrópolis: Vozes, 1995. 243p.
KLUEGER, U. A; Verde Vale. Florianópolis: Lunardelli, 1979. 204p.
KORMANN, Edith; A Imigrante. Blumenau: Odorizzi, 1998. 64p.
MARTINS, J.E. Blumenalva e Nauemblu: Metáforas de Uma Historiografia Liter´ria de Blumenau. In: THEIS, Ivo M.; Mattedi, Marcos Antonio; Tomio, Fabricio Ricardo de Limas (orgs.). Nosso passado (in) comum: contribuições para o debate sobre a historia e a historiografia em Blumenau. Blumenau: Ed. da FURB : 2000. p.
MARTINS, R. M. O Fel do Cio. Blumenau: Editora da Autora, 1989.p.
RADTKE, Eulália Maria; Lavra Lírica. Blumenau: Cultura em Movimento, 2000. 132p.
WOL, Naomi; O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Tradução por Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Roxo, 1992. 439 p. Tradução de: The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Againsta Women.

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