sábado, 16 de julho de 2011

POEMA MINUTO: A POÉTICA DO TEMPO

JOSÉ ENDOENÇA MARTINS

Palavra Inicial


Em 1986, decidi publicar meu primeiro livro, ‘Me Pagam Pra Kaput’. Naquele ano não imaginava – mas esperava – que, daquele primeiro lançamento em diante, alguns críticos iriam se debruçar sobre meu trabalho. Mas aconteceu e 10 crítico, em Blumenau e Florianópolis, estudaram minha obra com bastante liberdade.
Por isso, ‘Poema Minuto – A Poética do Tempo’ – é um pouco a crítica da minha poesia, mas também muito minha produção ensaística.
Estruturalmente, o livro apresenta três partes distintas. Na primeira – ‘O Poema Minuto e a Teoria Possível’ – procuro sugerir uma leitura para o poema minuto. Discuto o que entendo por poema minuto, talvez uma temeridade estética que brotou da ousadia de quem procura refletir sobre o que faz.
A segunda parte – ‘O Poema Minuto e a Crítica Possível’ – apresenta 10 críticos que não conseguiram calar e resolveram sugerir análises e estudos sobre a minha viagem poética. São estudiosos que, em Blumenau e Florianópolis, perceberam as possíveis qualidades da minha produção literária.
No último bloco de textos – ‘A Literatura Possível’ – volto com meus textos e discuto alguns assuntos e autores: Mário Quintana, Paulo Leminski, Affonso Romano de Sant’Anna e outros. Falo de obras alheias na tentativa de, também, me dedicar à crítica literária.
Poema Minuto – A Poética do Tempo é, na verdade, um livro de estudos sobre literatura. E tenta reunir alguns dos muitos poemas que ainda resistem em deixar a literatura catarinense e brasileira despencar pelas tabelas.

TEORIA POSSÍVEL

POEMA MINUTO I

Se o poema é sempre um jogo entre o autor e o leitor, como admite o poeta americano Robert Francis, no poema ‘CATCH’, é sempre bom que os dois joguem o mesmo. O bate-rebate do jogo poético é que faz a alegria dos envolvidos e os aproxima na intimidade do espaço poético sugerido pelo poema.
O poema minuto também é um jogo, embora com preocupações específicas. Anterior, na criação, à leitura de ‘ABC da Literatura’, de Ezra Pound e de ‘O Ser e o Tempo da Poesia’, de Alfredo Bosi é, porém, a partir destas obras que o poema minuto recebe uma análise mais abrangente.
É no verbo alemão ‘DITCHEN’ (condensar) que reside a sustentação teórica para a condensação que percorre o corpo poético do poema minuto. É Pound (p. 40) quem diz, citando alguém:

‘Grande Literatura é simplesmente carregada de significado até o máximo grau possível’. A poesia, como literatura é a mais condensada forma de expressão verbal. O poema minuto persegue a condensação também, não pela condensação em si, mas pelo que ela sugere de novidade, beleza e idéia inesperadas.
Como forma poética condensada, poema minuto reduz o espaço poético ao mínimo, quebra a sintaxe vérsica e lingüística, sugerindo imagens mentais e gráficas inesperadas. Assim, a par da sintaxe quebrada, surge uma leitura sincopada, quebrada, quase que aos socos, que resolvi chamar de ‘asmática’.
A ironia, a irreverência, o humor, o amor, às vezes o ‘hamor’ também, o político, o social, o sexual, o erótico e, até, o herético, coabitam com harmonia, ou não, e força, a constelação de preocupações do poema minuto.
Alfredo Bosi (p. 21) admite que a luta poética se faz no mundo-vida e, por isso, esta luta é uma alucinação lúcida. No poema minuto, a alucinação lúcida é travada pela palavra, às vezes, ou muitas, pelas ‘palavras de dar em nada’ (Me Pagam Pra Kaput). Mesmo assim, palavras do poema minuto. O crítico de Literatura Lauro Junkes fala da palavra do poema minuto, para dizer que ‘a poesia se faz com palavras e a palavra, a linguagem constitui preocupação constante José Endoença Martins’ (Lauro Junkes, ‘A Ironia Irreverente de José Endoença Martins – JSC).
Assim, ‘Me Tomam Pra Doryil’ procura dar ao poema minuto um espaço maior, unindo-os. A mesma preocupação teve o livro anterior, ‘Me Pagam Pra Kaput’, ainda que a estética do poema minuto tenha-me ocorrido após seu lançamento, em 1986.
Claro, ‘Me Tomam Pra Doryl’ não é só poema minuto. É, preferencialmente, poema minuto, mas muitas outras coisas.

POEMA MINUTO II

Poema minuto é curto ou não. Tão curto, ou menos, ou mais, que um haikai japonês, mas não tem preocupações com a métrica fixa.
Métrica e ritmo do poema minuto dependem do autor. Do tema também. Do assunto, igualmente.
Poema minuto é curto, ou não. Não porque vivemos num tempo sem tempo. Mas porque quer ocupar um minuto apenas do leitor.
O leitor do poema minuto é o leitor minuto. Não porque ele só tenha um minuto para cada poema. Mas porque ele quer dedicar um minuto ao poema minuto, nem precisa mais.
É uma questão de organização e autodisciplina.
O autor do poema minuto é o poeta minuto. Por uma questão de organização e autodisciplina, o poeta minuto também dedica um minuto à confecção do poema minuto.
A poesia minuto pensa rápido. Um minuto tenso e cheio é o tempo que ele dedica à cada idéia, futuro poema minuto.
O poema chave do poema minuto é este que vai aí:
Se senta
cê senta
60.

Poema minuto é um jogador. Ele joga com o som das palavras, com idéias. Joga com tudo.
O livro chave do poema minuto, do leitor minuto e do poeta minuto é ‘ME PAGAM PRA KAPUT’ de José Endoença Martins (Fundação Casa Dr. Blumenau, 171 p., 1986).
O poema minuto não tem censura, mas cezura.
Por isso pode ser lido pelo gerente minuto, pelo vendedor minuto, pelo político minuto, pelo constituinte minuto, pelo aidético minuto, pela namoradinha minuto, pelo peão minuto. Aliás, por todos os profissionais minuto.
Como viram o poema minuto não tem hífen.
O poema minuto é um poema minado. De garra. Veja este poema:

Agarra
a
garra
agora
e joga
fora.
Sem
garra
não há
agora.

Agora, a garra do poema minuto vai do poeta minuto para o leitor minuto. Se alguém chamar o poema minuto de poema menudo, sorria durante um minuto antes de estrilar. Depois, componha um poema minuto para o acusador.
Embora não seja menudo o poema minuto é musical. E o C-ligal, também.

Seios cobertos
de ouro
ou
descobertos
não
é o que
queremos.
Seios
cheios
do que
queremos
é o que
queremos.
É milagral:
Por excesso
de zelo
ou
de
espanto
em
lugar
do milagre
alguém
ofereceu-me
o
santo.
É missal, também:
um
sorvete
é bem melhor
que uma
missa.
Outras
preferências
não discuto.

quem prefira
ser
o peixe
há quem
prefira
ser
a isca.
E bilingual, também:
It’s
only
gold
but
I
like it
and
lock
it a sete chaves
entre
uma ou duas
claves
de sol
ou chuva.
E, ainda, numeral:
O amor
não é
8
nem oitenta.
O amor de 84
é noventa.

O poema minuto é muito mais do que tudo isto que foi mostrado até aqui.
E já esta recebendo o seu segundo volume: o livro minuto, chamado
‘ABRI(L) U:
O BRASIL
TOMOU
DORIL?’

E está à espera de que algum editor corajoso queira publicá-lo. O primeiro volume, ‘ME PAGAM PRA KAPUT’, já está esgotado, mas pode receber uma segunda edição.
Em suma e, para finalizar, um poema minuto inédito e irreverente:
Poema
minuto
não é
poema menudo
mas
pode
vir
a
ser.
Poema Minuto: Modernismo e Modernidade

Teixeira Coelho, no livro ‘Moderno e Pós-Moderno’, diz: ‘O Modernismo é o fato, a modernidade é a reflexão sobre o fato’ (p. 12). Fábio Brüggemann, no artigo ‘Dois Poetas do Vale’ (O Estado, 14.03.87) afirma: ‘Os modernistas o (poema minuto) inventaram, só que não deram nome nenhum, apenas faziam’.
O poema precisa da modernidade, a reflexão de si mesmo. O Poema Minuto tem os dois: o modernismo, ou seja, o fato (poema), além da modernidade, ou seja, a reflexão (minuto) sobre o fato.
Poema Minuto é um emblema. É emblemático de uma modernidade veloz e contraditória, em transformação. Da pós-modernidade, também. No Poema Minuto que segue, a coisa fica mais visível

Make
a
poem ah
o
poema
é
o
seu
emblema.

Na televisão a medida é o segundo, o tempo da imagem. No poema minuto o tempo é o minuto, a medida do poema. O Poema Minuto tem um tempo e está no tempo. O segundo televisível é comercial. O minuto, no Poema Minuto, é tudo: sonoro, imagético, temporal. E, principalmente, poético. A revelação da substância do Poema Minuto vem no poema que segue:

Em
matéria
de verso
e poesia
mais
que a
garantia
de um
emblema
o minuto
é o
poema.

Nele se resumem o modernismo (fato-poema) e a modernidade (reflexão-minuto) a que alude Teixeira Coelho.
Os modernistas, como quer Fábio Brüggemann (Dois Poetas do Vale, O Estado, 14.03.87) não intuíram esta dualidade, nem sentiram necessidade. A José Endoença ela não escapou.
Os modernistas romperam com a modernidade ao esquecerem de refletir sobre o fato: o poema feito, a experiência. Experiência e reflexão sobre a experiência, ou seja, teoria. Sobre a experiência Décio Pignatari (Um País Que é Quase Brasil – Folha de São Paulo – 20.03.87) apresenta a reflexão de Kruschev: ‘A experiência é muito importante porque nos ajuda a desconfiar da própria experiência’. Precisa de teoria, também para a experiência. O poema minuto tem a experiência (o poema) e não esquece a teoria (o minuto).
O Poema Minuto empalma alguns cominhos teóricos cruzados. Pode ser o econômico-sexual – humorístico em

Cruze
as pernas
meu amor
e não recuse
este olhar
maroto meu
que vou
me deliciando
neste cruzado
teu.
Ou pode ser também constituinte-político-amoroso, como em

Anjo barroco
hoje
te constituo
membro
na assembléia
do coração
com amor
refaças
a minha
constituição.

Na verdade, o Poema Minuto é um querer ser a modernidade, uma vez que o modernismo já se configura nele como um fato real. Para chegar à pós-modernidade trânsfuga de qualquer definição mais concisa até agora. Fábio Brüggemann ainda quer os meus versos situados no início do século, quando já estamos no final dele. Fábio regride cem anos no tempo. E regride também, a cada minuto. E a cada minuto constrói de destrói coisas. É a linguagem que se dirige para o terceiro milênio, o século 21 está próximo, onde os minutos, no tempo do homem e na linguagem do homem, poética ou não, estão mais próximos do segundo, não da hora.
Fábio Brüggemann quer Poema Minuto situado, filosófica e formalmente, nas brumas do início do século. Poema Minuto, porém, prefere as incertezas e contradições do final do século e início de outro. Por isso brada, em conformidade com o seu minuto existencial:

Se vou assim
como querem
é assim que me ferem.
Se vou assim
como pedem
é assim que me perdem.
Se vou assim
como deixam
e não interferem
é assim que me têm
quando quiserem.

Poema Minuto tem vontade, existência e velocidade próprias: as do minuto que é inexorável.
Para concluir esta tentativa de explicar Poema Minuto – outras mais serão necessárias – fica este Poema Minuto para reflexões outras

P
o
e
m
a
s
Põe mais
mas põe.

É a realidade de modernismo e modernidade a co-habitar o mesmo corpo poético do Poema Minuto.

POEMA MINUTO: Uma Leitura Asmática

Na minha aventura teórica sobre Poema Minuto, duas análises já foram escritas e publicadas no Caderno C do Santa. A primeira, ‘Poema Minuto’, a segunda, ‘Poema Minuto: Modernismo e Modernidade’. Nas duas análises procurei dar alguns contornos teóricos e algumas pistas estéticas para uma visão possível do Poema Minuto, e o que ela pode representar para uma compreensão e apreensão maior do Poema Minuto.
Porém, antes de me deter na leitura do Poema Minuto, gostaria de fazer um levantamento retrospectivo do que foi dito nas duas análises anteriores. Isto para dar um sentido de unidade e progressão entre as três análises. Igualmente para oferecer ao leitor um acompanhamento mais próximo da teoria que estou procurando elaborar para o Poema Minuto.
Assim, quero reforçar de nova a idéia de que Poema Minuto é um emblema de uma modernidade veloz e contraditória, sempre em transformação. Nele o tempo é o minuto, sua unidade. Minuto que é tudo: som, imagem, tempo e, principalmente, poesia. Além disso, Poema Minuto percorre alguns caminhos estéticos: o musical, o C-ligal, o milagral, o missal, o bilingual, o numeral (in ‘Poema Minuto’ – JSC/87). Mais ainda; Poema Minuto envereda por outras vias estético-poéticas: a econômico-sexual-humorística, a constituinte-político-amorosa e outras (in ‘Poema Minuto: Modernismo e Modernidade’ – JSC/87).
Diante disso posso reafirmar, como já foi feito na segunda análise, que Poema Minuto carrega em si o modernismo e a modernidade. O modernismo é o fato. No caso do Poema Minuto, o fato é o próprio poema. A modernidade é a teoria, a reflexão sobre o fato. No caso do Poema Minuto, a teoria, a reflexão, é o minuto. Quer dizer, a experiência (o poema feito) precisa da teoria (a reflexão sobre o poema). E o Poema Minuto contempla, em si, os dois elementos: a experiência e a teoria.
Até aqui, um breve resumo do que mostraram as análises anteriores sobre Poema Minuto. Agora, avançando um pouco mais, elaboro a análise de uma possível leitura para Poema Minuto. Porém, para efetuar a leitura ideal do Poema Minuto é preciso antes entender e assimilar que o verso e sua distribuição no Poema Minuto não têm estrutura definida. Nem as sílabas, nem nos versos, nem nas estrofes; não têm estrutura gramatical, nem semântica definidas. Sua estrutura é mais psicológica e intuitiva. Quase apoética. Se não como explicar estes versos

‘me encanto
e
a barata
sorri’. (Me Pagam Pra Kaput, p. 11).

Na verdade estes quatro versos, tradicionalmente seriam um só. (‘Me encanto e a barata sorri’). No Poema Minuto, porém, são quatro versos mesmo. A distribuição de versos, caótica e proposital, acontece no poema que segue

O amor
não é
8
nem oitenta.
O amor
de 84
é noventa. (Me Pagam Pra Kaput, p. 90)

Todavia, apesar da distribuição irregular dos seus versos, o Poema Minuto sugere alguns paralelismos estruturais. No poema acima, estes paralelismos aparecem entre os versos 1 e 5; também entre os versos 4 e 7.
A intenção do Poema Minuto, na verdade, é quebrar a estrutura da frase-verso tradicional, procurando adicionar outras significações possíveis ao mesmo. Daí, na quebra da frase-verso, pode-se separar o Sujeito do Predicado, o Predicado do Objeto. Pode-se separar, também, o Artigo do Substantivo. Numa regência nominal, o Substantivo pode ser apartado da sua regência. Alguns destes enfoques estão presentes no poema que segue

Quando
o Brasil
se liga
eu
me ligo
no Brasil
quando
eu
me desligo
alguém
tomou doril.
Eu
ou
o Brasil. (Me Tomam Pra Doryl, p. 9).

Assim, levando em consideração o tipo de verso criado pelo Poema Minuto, que procura quebrar a estrutura convencional do verso, ao destruir a sintaxe da frase-verso, é natural que se procure uma leitura diferente para o verso e, conseqüentemente, para Poema Minuto.
Daí, a primeira regra da leitura do Poema Minuto é a gagueira. É explicável. Já que o verso é cortado abruptamente, a sua leitura deve seguir a mesma regra. O seu corte também é abrupto, não para a respiração, mas por causa da estrutura do verso. Lê-se o verso, nunca a idéia. Vejamos uma possível leitura do poema que segue

Sou poeta
de vida
vadia.
Não faço
poesia
como-a
como feijoada de
alegria.
Não me
entendem
a discrepância
os colegas.
Pudera
a poesia deles
é que é
cega. (Me Tomam Pra Doryl, p. 16).

Nele há a pausa de uma vírgula depois de cada linha-verso. Só no ponto a pausa é maior. Se você também tentar lê-lo, obedecendo às pausas sugeridas pelas linhas-verso, perceberá que o resultado será uma leitura entrecortada, seca, dura, sem ligações. Essa leitura beira à gagueira. Pode-se até chamá-la de leitura asmática, que ocorre com pessoas com dificuldades de respiração.
Agora, diante do que foi dito, talvez um bom exercício de leitura asmática, com um Poema Minuto, seja o exemplo abaixo:

O
a
m
o
r
t
e
c
o
n
s
o
m
e
e
s
o
m
e. (Me Tomam Pra Doryl, p. 23).

É evidente que muito mais se poderia dizer a respeito do Poema Minuto e da sua leitura. Porém, a realização de estudos mais bem elaborados e mais consistentes é tarefa para críticos, não para poetas experimentais. A minha intenção, como esta e as análises anteriores, é apenas mostrar, de relance, a possível estética do Poema Minuto.
E para encerrar este comentário sobre a leitura do Poema Minuto, fica a promessa de um próximo capítulo, como sugere o poema que segue:

Como tudo
na Globo
ou
no globo
o amor
que
começou
hoje
infinito
continua
no
próximo
capítulo. (Me Tomam Pra Doryl, p. 92).

POEMA MINUTO: O Leitor do Minuto

Oscar Wilde enfatizou que sãs pessoas só começaram a perceber os nevoeiros a partir do momento em que, no século 19, os poetas e pintores lhes ensinaram a fazê-lo. Pode-se pensar, então, que, naquele século, a poesia e a pintura não eram feitas pelo seu valor em si, mas para ensinar as pessoas a perceber os nevoeiros.
Mais próxima de nós, Susan Sontag, na linha de pensamento de Wilde, lembra que ‘que ninguém via tanta variedade e sutileza do semblante humano antes da era do cinema’ (A VONTADE RADICAL – estudos, p. 20). Aqui, também, pode-se pensar que o fim do cinema não é arte ou prazer, mas a revelação do semblante humano. Exclusivamente não, mas inclusivamente, tanto na visão de Wilde quanto na de Sontag, pode-se tirar as conclusões apontadas.
Dentro desta linha de idéias o Poema Minuto não busca o poema, mas o minuto. Não quer a poesia, mas o tempo. Seu fim não é fazer com que as pessoas percebam a poesia e seus encantos, mas descubram o minuto e seu tempo. Na verdade, o que realmente conta na estética do Poema Minuto é o tempo, o minuto e sua realidade fugidia, transitória, incontrolável. Poema Minuto desfoca a poesia e passa a enfocar o minuto. Assim, o tempo do poema, e não o próprio poema, é a nova área e objeto de atenção do poeta e do leitor, das pessoas.

Há quem
prefira
o poema-feito.
Eu quero
o
poema-fato.
Como aquela
mulher que
matou o marido
antes
e depois
foi dormir
com
o amante. (Poema 69, ‘Me Tomam Pra Doryl’, 1987).

Desta maneira, não é o poema que aprisiona o tempo, mas o tempo é que envelopa o poema. O poema é que vira tempo. O poema só existe porque está num tempo, no nosso tempo. Da mesma forma que o verbo virou carne, ou do mesmo modo que a idéia virou ser, o poema virou tempo. Daí, Poema Minuto é o poema do tempo.
O tempo-envelope do Poema Minuto é o minuto. Porém, é o minuto que não é visível no corpo do poema, nem na sua estrutura, menos ainda nos versos, sílabas, estrofes, ritmo, na sintaxe vérsica, mas está presente fora dele, no leitor. O leitor, agente do tempo do Poema Minuto determina o minuto ao poema, idéia, verbo, carne. O leitor faz, limita ou amplia a extensão valorativa do minuto-envelope do Poema Minuto. A realidade do leitor, suas aspirações e limitações, anseios, vontade e conhecimentos determinam a verdadeira qualidade do minuto a ser conferido ao Poema Minuto. O poema, na verdade, funciona, apenas, como estímulo, deflagrador, detonador da atenção do leitor. A qualidade do tempo e sua intensidade cabe ao leitor mensurar, quantificar, qualificar e atribuir:

Cuidado
incauto leitor.
meu
versos
são
mentiras
não lhes

maior
atenção.
Meus versos
são
mentiras
que
servem pra
ocasião.
Cuidado
incauto leitor
eis

meus versos
ao
teu
dispor. (poema 46. ‘Me Vestem Pra Dujon’, inédito).

As três individualidades (poema, minuto, leitor) se resumem a duas: o poema e o leitor-minuto, porque, no caso dos últimos, eles se identificam e se substanciam a ponto de formarem uma única individualidade. O leitor faz, concretiza o minuto que vai dispensar ao poema. Que o poema tem o seu próprio tempo, não vamos negar. Porém, não é o tempo do poema que nos interessa, nem o tempo no poema, mas o do leitor e da visão do poema que ele tem enquanto leitor. é um tempo cheio, pleno das significações e realizações individuais do leitor. É um minuto barulhento, que grita, pede passagem, no silêncio que caracteriza a estética da arte (poesia) moderna segundo Sontag. O minuto do leitor não é opaco, mas permeável ao poema e maquina uma série de possibilidades de interpretação desse tempo. Na verdade, o minuto é o discurso do leitor que ele imputa ao poema.
Resumidamente, a realidade que nos aparece é a seguinte: o minuto que envelopa o poema; o leitor que envelopa o minuto; minuto e leitor que envelopam o poema. Sob os olhares do poema:

Poema
me olhe
de cima
destes versos
de fora
e
de
dentro
enquanto
me vejo
em
cada um
dos teus
movimentos. (poema 8, ‘Me Tomam Pra Doryl, 1987).

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